Num “cenário ambicioso”, o impacto do TTIP na economia portuguesa é de 0,4%

Relatório europeu projecta impactos económicos do acordo comercial com EUA. Ganho para a economia portuguesa é menor ao previsto num estudo encomendado pelo Governo anterior.

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O estudo encomendado pela Comissão Europeia prevê que o acordo aumente o mercado de trabalho na Europa Miguel Manso

Enquanto a União Europeia se prepara para mais uma ronda de negociações com os Estados Unidos em torno da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP na sigla inglesa), Bruxelas deu a conhecer nesta sexta-feira um relatório encomendado a uma consultora europeia onde identifica os impactos esperados do controverso acordo nas economias da UE, nos fluxos das mercadorias e nos salários nas diferentes economias europeias.

O relatório de quase 400 páginas, elaborado pela consultora holandesa Ecorys, prevê que, “depois de o tratado ser implementado na totalidade”, em 2030, a diferença no Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia com e sem TTIP seja de 0,5%. Isto num cenário ali descrito como “ambicioso”, baseado na redução de um determinado nível de direitos aduaneiros e de barreiras não tarifárias entre os dois blocos.

Há países europeus em que a melhoria ultrapassa 1%, mas o impacto para a economia portuguesa é bem mais limitado, não indo além de um acréscimo de 0,4%. A projecção macroeconómica feita pela Ecorys para a Comissão Europeia não se refere a uma diferença na taxa de crescimento, mas no valor do PIB. Para evitar equívocos na leitura dos dados, e tomando como exemplo o número projectado para o conjunto dos países da UE, o relatório explica que não é correcto olhar para o aumento de 0,5% como se se tratasse de um “adicional de 0,035% por ano” até 2030, dividindo os 0,5% por 14 anos. O pressuposto é este: se o TTIP se concretizar, o PIB da UE seria 0,5% mais alto em 2030, o ano da sua aplicação plena. Para os Estados Unidos, prevê-se que a diferença seja de 0,4%.

O secretismo com que têm sido conduzidas as negociações do acordo – que começaram em Julho de 2013 e, até ao final de Abril, já levavam 13 rondas de negociações, estando a próxima prevista para Julho, em Bruxelas – foi quebrado com a revelação de documentos confidenciais por parte da Greenpeace. A fuga de informação permitiu conhecer alguns documentos e fez aumentar os alarmes em relação a vários pontos sensíveis das negociações, depois de já terem sido levantadas dúvidas sobre saúde pública, segurança alimentar, ambiental ou mesmo quanto ao risco de sair dos tribunais a resolução de conflitos entre as multinacionais e os Estados.

Irlanda ganha mais

O estudo encomendado pela Comissão Europeia avalia os impactos nas diferentes geografias europeias, dividindo o mapa da União em quatro grupos: os países com maiores laços comerciais com os Estados Unidos (Alemanha, Reino Unido, Irlanda, Holanda e Bélgica), Europa do Sul e Sudoeste (França, Itália, Grécia, Espanha e Portugal), outros países da Europa Ocidental (Áustria, Dinamarca, Finlândia, Luxemburgo e Suécia) e ainda uma União a 13, subdivida entre países médios (Bulgária, República Checa, Hungria, Polónia, Roménia e Eslováquia) e pequenas economias (Estónia, Letónia, Lituânia, Eslovénia, Croácia, Chipre e Malta).

O primeiro grupo, o que tem mais relações com os Estados Unidos, é claramente o que sai mais beneficiado. Na Alemanha, a maior economia europeia, a previsão é de que o PIB aumente 0,6%, menos do que a previsão para Irlanda (1,4%) ou a Bélgica (1,2%). Portugal aparece junto a mais quatro países mediterrânicos, onde as “exportações transatlânticas valem cerca de 10 a 20%” do total. Na Europa do Sul, prevê-se que a expansão do PIB ronde os 0,5%, na mesma dimensão do impacto estimado para toda a União.

Os Estados Unidos são o quinto destino das exportações de bens portugueses e o primeiro fora do mercado comunitário, tendo ultrapassado Angola em 2015. O ganho previsto neste estudo de 0,4% no PIB português é mais limitado do que a conclusão do relatório apresentado em 2014 pelo think tank Centre for Economic Policy Research (CEPR), encomendado pelo anterior Governo. Aí, a previsão era de uma melhoria de 0,66% no PIB, na ordem dos 1164 milhões de euros (com impacto positivo para o sectores têxteis, vestuário e calçado, mas desvantagens, por exemplo, para a indústria da maquinaria eléctrica e produtos químicos).

Quanto aos salários, a consultora acredita que o tratado leva a um aumento de 0,4% em Portugal, tanto nos trabalhadores altamente qualificados, como nos que são considerados como trabalhadores pouco qualificados.

Em relação aos impactos esperados no rendimento das famílias, a previsão é de 0,2%, inferior aos 0,4% projectados para o conjunto da UE. Nos países do Sul, a previsão é de que os salários deverão seguir o padrão do PIB, assumindo que o aumento do crescimento “conduz a uma maior procura de trabalho, resultando em salários mais elevados”.

Embora este estudo seja apresentado com o carimbo da Comissão e divulgado nos canais oficias do executivo comunitário, Bruxelas coloca toda a responsabilidade das conclusões nas mãos da consultora que elaborou o documento, referindo mesmo que elas “não representam a posição oficial da Comissão”. Mas a comissária responsável pela pasta do comércio, Cecilia Malmström, veio enfatizar as “muitas oportunidades que o TTIP apresenta para a UE”. Sem falar em ameaças, apenas ressalvou que é preciso ser “cauteloso a analisar os números, especialmente quando se trata de dados de mercado que podem depender de muitos outros factores”.

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