Dono da TAP diz que acordo com o Governo criou "mais ruído do que esperava"

Humberto Pedrosa, que lidera o consórcio privado que detém a companhia, garante que "as decisões tomadas no Porto não são para inverter". Estado ficará com 50% do capital no prazo de três meses.

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"Ninguém gosta de tomar decisões destas, mas se a TAP continuasse a operar estas rotas não deixaria de ter prejuízos de milhões", diz Pedrosa, sobre o Porto Enric-vives Rubio

Se soubesse o que sabe hoje, teria Humberto Pedrosa investido na TAP? O empresário, que no ano passado se tornou líder do consórcio privado que comprou a companhia, em parceria com David Neeleman, assegura que sim, mas mostra-se desagradado com o rumo que o caso tomou.

Em declarações ao PÚBLICO, poucas horas depois de a Câmara Municipal do Porto ter lançado um novo "ataque" à gestão da empresa, diz-se confortável com o recente acordo com o Governo, que dará ao Estado 50% do capital, mas admite que "não tinha consciência da dimensão do ruído político que poderia causar".

O facto de o Estado recuperar metade do capital, em vez dos actuais 39%, abriu a porta a exigências que agora vêm do Porto (que está contra a supressão de rotas e de frequências), mas que poderão suceder-se, nas mais diversas frentes. "É bastante desagradável. Não é bom para a TAP, nem para o país. Provavelmente o acordo [com o Governo] dará origem a mais reclamações, mas podem ser construtivas. Não nos passou pela cabeça que pudesse atingir esta dimensão", assume.

Sobre a gestão de forças entre accionista público e privado na gestão da TAP, Humberto Pedrosa, que já era dono de um verdadeiro império no sector dos transportes, considera que "o Estado fica numa posição confortável porque sabe que tem a gestão entregue a privados e com o único objectivo de estabilizar a companhia".

Já para o consórcio, que ficará com uma participação entre 45% e 50% (dependendo da adesão dos trabalhadores à compra dos 5% que lhes estão reservados), o caso é diferente. "Antes não tínhamos de dar tantas satisfações", frisa, sublinhando ainda assim que acredita que as duas partes partilham do mesmo espírito: "Colocar a TAP sempre em primeiro lugar". De acordo com o empresário, o acordo, que implica que o Estado recompre 16% com uma despesa a rondar 1,9 milhões de euros, tornar-se-á realidade "no prazo de três meses", depois de concluída a oferta pública de venda junto dos trabalhadores. Uma operação que também espera vir a ser muito concorrida por parte dos funcionários.

"Há momentos em que analiso a realidade e a realidade assusta. A TAP é uma companhia muito endividada, com aviões a precisar de investimento e com os seus dois principais mercados, Brasil e Angola, em crise. E o ruído só prejudica. Mas eu sou um lutador. Dá-me mais coragem tentar ultrapassar isto tudo", desabafa.

Já sobre a situação do Porto, não parece ser assaltado por qualquer dúvida. "Analisámos os factos e as rotas que geravam perdas tiveram de ser canceladas. Ninguém gosta de tomar decisões destas, mas se a TAP continuasse a operar estas rotas não deixaria de ter prejuízos de milhões. Além disso há alternativa [voos indirectos a partir de Lisboa]", afirma, garantido que "não houve divergências" dentro do consórcio sobre a reestruturação da operação no aeroporto Francisco Sá Carneiro. As decisões tomadas, que incluem o cancelamento de rotas e de frequências e a criação de uma ponte aérea entre Lisboa e Porto, "não são para inverter", assegura, embora que o dossier nunca estará fechado e que oscilará sempre em função da procura.

"Não quer dizer que a TAP não encontre novas rotas. O Porto está a crescer e a companhia também quer crescer. Não entrámos ainda nessa fase porque primeiro temos de parar a sangria", diz, lembrando que também foram canceladas rotas a partir da capital. Quanto aos impactos desta reestruturação nos recursos humanos, Humberto Pedrosa garante que "não estão previstos ajustes" fruto da redução da oferta.

Braço-de-ferro com o Porto
A autarquia liderada por Rui Moreira não tem poupado nas críticas à TAP e ainda na segunda-feira voltou a atacar as decisões da companhia, com a divulgação das contas da PGA, empresa detida pela companhia de bandeira e que controla a operação no Porto, estando prevista a mudança do seu nome para TAP Express. Num texto publicado no site Porto.pt, a Câmara contesta os dados avançados pela TAP, que davam conta de perdas de oito milhões nas rotas suspensas, com o lucro gerado pela PGA nos últimos anos. "Não apenas é lucrativa como a sua operação e procura são sustentáveis”, escreveu a autarquia, acusando a TAP de ter uma "política de desvalorização" do Porto.

A empresa, que tem optado por não reagir às sucessivas críticas, emitiu mais tarde um comunicado em que assegura que "a PGA continuará a existir" e que as restrições impostas pela Autoridade da Concorrência aquando da sua compra ao BES, em 2007, "caducaram cinco anos depois". "No conjunto da operação da TAP no aeroporto do Porto durante o próximo período IATA (final de Março a final de Outubro) a TAP terá um total de 13.563 voos contra 13.321 do ano anterior", argumenta a companhia, reforçando que as quatro rotas suspensas geravam prejuízos de oito milhões de euros.

Este braço-de-ferro intensificou-se em vésperas da reunião entre António Costa e Rui Moreira, agendado para amanhã. O encontro foi pedido pelo autarca, com carácter de urgência, para debater a situação da TAP. Está também já a correr uma petição pública, em defesa da manutenção dos voos no aeroporto Sá Carneiro, que contava ao final da tarde de ontem com 466 subscritores.

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