Há quatro abutres-pretos juvenis à espera de liberdade no Douro Internacional

Quatro abutres-pretos juvenis estão confinados a uma enorme jaula, num contexto selvagem. Daqui a alguns meses serão libertados para reforçar população daquela ave necrófaga no Douro Internacional.

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Um dos abutres na estação de aclimatação, no Parque Nacional do Douro Internacional DR
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A estação de aclimatação, no Parque Nacional do Douro Internacional DR
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Um dos abutres juvenis DR
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Uma imagem de videovigilância onde se observam os vários abutres dentro da jaula DR
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A estação de aclimatação foi inaugurada nesta terça-feira DR
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A estação de aclimatação está situada no meio do Parque Nacional do Douro Internacional DR
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Nesta semana deu-se mais um passo para a conservação do abutre-preto (Aegypius monachus) no território português. A associação Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural inaugurou uma estação de aclimatação em Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança, com quatro juvenis daquela ave necrófaga, para ajudar a recuperar a população de abutre-preto daquela região.

“Chama-se aclimatação porque é um processo gradual e lento de habituação dos animais a uma área concreta”, explica por telefone ao PÚBLICO José Pereira, biólogo e presidente da Palombar, que faz parte de uma das várias organizações que estão a desenvolver o projecto Life Aegypius Return, coordenado pela Vulture Conservation Foundation (VCF), dedicada à conservação dos abutres na Europa.

A estação é uma espécie de jaula, com 18 metros de comprimento, nove de largura e seis a oito metros de altura. O espaço será a casa daquelas quatro aves, três fêmeas e um macho, até, pelo menos, Outubro ou Novembro próximos. Nessa altura, a estação será aberta e as aves poderão voar dali para fora e estabelecer-se na região do Parque Natural do Douro Internacional. A inauguração fez parte das comemorações do Dia Europeu da Rede Natura 2000.

“O grande objectivo é que os animais incorporem na sua identidade territorial o reconhecimento desta área do Douro Internacional como o seu local de nascimento”, refere o biólogo.

Quando nascem, os abutres-pretos ficam nos ninhos durante os primeiros 90 dias de vida, dependentes dos seus progenitores. Depois, voam e fazem grandes viagens. No entanto, o comportamento destes animais determina que voltem para a região onde nasceram. Será aí que fazem os ninhos, normalmente no cimo de árvores, vivendo uma vida de casal.

Os juvenis que integraram a nova estação vieram do Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco, gerido pela Quercus. Foram resgatados da natureza, onde estavam em situação de perigo, e agora terão a oportunidade de voltar para o mundo selvagem. Mas a estação de aclimatação vai fomentar uma adaptação a uma nova região.

“No exterior da jaula é criado um campo de alimentação de aves necrófagas onde vamos disponibilizar alimento para provocar a interacção [dos abutres] com os indivíduos selvagens. Durante este processo, os juvenis vão aprendendo tudo aquilo que não tiveram oportunidade de aprender com os pais e os seus congéneres: identificar os perigos, relacionarem-se com as outras espécies”, descreve José Pereira.

A estação tem poleiros, rampas, ramos no chão, uma piscina para as aves poderem lavar-se. Com isto, pretende-se manter “a parte emocional dos abutres estável para que não haja muitos conflitos, além de se entreterem, de aprenderem uns com os outros, garantindo o bem-estar animal dentro da jaula”, explica.

Extinção local e recuperação

Depois de serem libertados, a estação vai manter as portas abertas para estes quatro indivíduos até ao final do ano, de modo a poderem sair e entrar, habituando-se à nova vida selvagem. Depois a estação vai fechar para que, no início de 2025, um novo conjunto de abutres juvenis vindos de centros de recuperação ocupem a “casa”. A estação pode conter até 16 abutres-pretos. “O nosso objectivo até ao final do projecto é conseguir fazer a devolução à natureza de pelo menos 20 abutres que tenham sido recuperados em centros”, afirma o biólogo.

Neste momento, existem apenas quatro casais de abutres-pretos na região do Douro Internacional, em território português, e mais três casais na Espanha. Este pequeno número é consequência da história desta espécie durante o século XX na Península Ibérica. Muitos abutres morreram envenenados ou foram mortos. Na década de 1970, a espécie chegou a desaparecer em Portugal.

Felizmente, uma pequena população manteve-se em Espanha e foi alvo de uma política de conservação. Um dos resultados dessa estratégia foi a recolonização da espécie em Portugal já no fim do século passado. Hoje, no Parque Natural do Tejo Internacional (PNTI) encontra-se a maior das quatro colónias de abutre-preto do país, com mais de 30 casais. Mesmo assim, a espécie encontra-se criticamente em perigo de extinção a nível nacional, sendo que um dos objectivos do projecto Life Aegypius Return é melhorar o estatuto de conservação para o patamar de perigo de extinção.

Essa evolução passará por duplicar a população reprodutiva, de 40 casais distribuídos por quatro colónias, para 80 casais distribuídos em 80 colónias. A nova estação de aclimatação faz parte dessa estratégia. Ao mesmo tempo, a associação Palombar tem melhorado as condições do habitat do abutre-preto naquela região.

“A nossa responsabilidade passa pela gestão e aumento de resiliência dos habitat aos fogos florestais. O abutre-preto é uma espécie que nidifica essencialmente em árvores, por isso é muito susceptível também a incêndios florestais”, explica José Pereira. Há ainda um esforço para a redução da perturbação à volta dos ninhos, causada por actividades como a agricultura e o turismo. Os próprios ninhos também são um foco de trabalho daquela associação. “Neste ano já construímos dez ninhos e recuperámos outros quatro”, diz o especialista, que deseja que a espécie também se expanda para o território dos rios Maçãs e Sabor, afluentes do rio Douro.

Mas os esforços do projecto Life Aegypius Return passam ainda por combater os problemas que ameaçam o abutre-negro. Um desses problemas tem que ver com os iscos feitos de diferentes tipos de carne que contêm veneno e são colocados no campo contra vários predadores, como a raposa ou a fuinha, animais que podem atacar os galinheiros. Quando esses iscos envenenados são comidos pelos abutres, estes acabam por morrer.

Outro problema são as balas de chumbo usadas pelos caçadores, que ao serem ingeridas pelos abutres quando apanham a caça morta, causam o saturnismo naquelas aves, uma doença provocada pela presença do chumbo que pode levar à morte.

Finalmente, o projecto quer fomentar junto dos agricultores a prática de deixarem no campo, fora das zonas de produção, as carcaças de animais que morrem. Com o aparecimento na década de 1990 da encefalopatia espongiforme bovina (BSE, sigla em inglês), a famosa doença das vacas loucas, os agricultores foram proibidos de deixar a carcaça dos animais mortos no campo, por uma questão sanitária.

“Tivemos uma redução drástica do alimento disponível que existia em ambiente selvagem e isso teve um impacto muito grande nas populações de abutres”, refere José Pereira. Com o fim deste problema na década passada, há margem para alguns animais, como ovelhas, cabras e porcos, poderem voltar para o ciclo natural da natureza. A Palombar tem como objectivo que pelo menos 20 explorações agrícolas adoptem o novo esquema.

Financiamento e futuro

Para tudo isto, é necessário dinheiro. A estação de aclimatação, com o sistema de videovigilância, um contentor de apoio onde funciona uma pequena enfermaria e a vedação que protege a área e integra o campo de alimentação, terá custado entre “120.000 e 140.000 euros”, refere o biólogo. Ao todo, o projecto Life Aegypius Return conta com 3,7 milhões de euros, 75% do financiamento vem da União Europeia.

O restante financiamento provém das várias organizações incluídas. Além da VCF e da Palombar, o Life Aegypius Return é apoiado pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN), a Herdade da Contenda, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), a Associação Transumância e Natureza (ATN), a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Associação Nacional de Proprietários Rurais, a Gestão Cinegética e Biodiversidade (ANPC) e a Fundación Naturaleza y Hombre, em Espanha.

O projecto iniciou-se em Setembro de 2022 e vai até ao fim de 2027. Terá, por isso, mais três anos e meio para “melhorar o habitat e as condições de procura de alimento, limitar as ameaças e desenvolver capacidade nacionais” e assim consolidar a recuperação do abutre-preto, explica-se no site do Life Aegypius Return.

É um esforço importante para José Pereira: “Os abutres e as aves necrófagas fazem um serviço que é imprescindível para o bom funcionamento dos ecossistemas, garantem um ambiente e um ecossistema saudável. Têm uma importância ao nível do que é a diversidade biológica, já que são espécies autóctones. E acreditamos que estas espécies emblemáticas, que não existem em qualquer sítio, podem potenciar o turismo de natureza.”

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