Vestígios do abutre-barbudo há 29 mil anos encontrados no local da criança do Lapedo

O abutre-barbudo está hoje extinto em Portugal, mas foram encontradas provas da sua presença há 29 mil anos no vale do Lapedo, casa da única sepultura do Paleolítico Superior identificada em Portugal.

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O abutre-barbudo actual fotografado nos Pirenéus TERESA IGLESIAS
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A equipa de investigadores: : Joan Daura, Ana Cristina Araújo, Montserrat Sanz e Ana Maria Costa DR
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A investigação decorreu no Vale do Lapedo, onde também foi identificada a criança do Lapedo DR

Trabalhos de arqueologia realizados por especialistas do Laboratório de Arqueociências da Direcção-Geral do Património Cultural permitiram identificar a presença do abutre-barbudo há 29 mil anos no Abrigo do Lagar Velho, no vale do Lapedo, em Leiria.

De acordo com resultados dos trabalhos de arqueologia, publicados na revista Scientific Reports da edição desta terça-feira, o abutre-barbudo (Gypaetus barbatus) terá vivido no Abrigo do Lagar Velho na mesma época que grupos de caçadores do Paleolítico Superior, precisamente há 29 mil anos.

Os autores escrevem no artigo científico que este trabalho mostra que, “para além de ser utilizado pelos humanos para estadias de curta duração, o abrigo rochoso do Lagar Velho foi utilizado pelo abutre-barbudo como local de nidificação”.

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Investigadores no Abrigo do Lagar Velho, em Leiria DR

A descoberta decorre dos trabalhos de arqueologia que continuam a ser realizados pelas especialistas Ana Cristina Araújo e Ana Maria Costa, da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), em colaboração com Joan Daura e Montserrat Sanz, da Universidade de Barcelona, em torno do local onde foi sepultada uma criança do Paleolítico Superior, que faleceu no decurso do seu quinto ano de vida.

Conhecida internacionalmente como o Menino do Lapedo, esta é a primeira e ainda única sepultura do Paleolítico Superior a ser identificada em Portugal. O esqueleto da criança, que teria cinco anos quando morreu, foi descoberto em 1998 e é um passaporte no tempo para os rituais funerários que existiam em praticamente toda a Europa. Tanto o esqueleto da criança do Lapedo como o local adjacente onde as comunidades nómadas do Paleolítico Superior viveram são património nacional desde a última década.

A partir das fezes fossilizadas

A identificação da presença do abutre-barbudo, mais conhecido por quebra-ossos, foi feita através de fezes fossilizadas (coprólitos), de acordo com as especialistas da DGPC. Verificou-se que os coprólitos são "extremamente numerosos em toda a sequência sedimentar, incluindo em níveis com ocupação humana paleolítica".

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As fezes fossilizadas encontradas pelos investigadores e que permitiram identificar o abutre-barbudo DR

"Neste artigo é pela primeira vez descrito o excremento fossilizado de abutre-barbudo e é proposto um novo morfotipo que poderá ser, a partir de agora, utilizado pelos investigadores de todo o mundo para a identificação desta ave no registo arqueológico. A caracterização dos coprólitos foi realizada a partir de estudos comparativos com excrementos de espécimes actuais e a partir de análises morfométricas e composição química", explicaram as especialistas.

Para além da importância da identificação da presença destas aves no local há 29 mil anos, "as fezes fossilizadas são por si só importantes elementos de informação".

"Estes excrementos são verdadeiras cápsulas de informação: o pólen ali armazenado, por exemplo, permite determinar quais as plantas (entre árvores, arbustos e ervas) que caracterizavam aquele espaço (a paisagem envolvente); as plantas, por sua vez, espelham condições climáticas específicas", indicaram ainda Ana Cristina Araújo e Ana Maria Costa.

"Conhecer os cenários ambientais é fundamental para compreender as opções/estratégias de sobrevivência das comunidades humanas e da sua relação com os animais, nomeadamente o abutre-barbudo, hoje extinto em Portugal e em grande parte da Europa", consideram as especialistas da DGPC.

O artigo agora publicado envolveu especialistas do Laboratório de Arqueociências da DGPC, assim como da Universidade de Barcelona, tendo as investigações contado com o apoio e colaboração do Município e Museu de Leiria e, do lado espanhol, do Parque Nacional de Ordesa e Monte Perdido, do Centro de Resgate e Reprodução de Quebra-Ossos (CRIAH) e da Fundação para a Conservação do Quebra-Ossos (FCQ).

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