Como Passos tenta ensinar Montenegro a governar

Passos quer meter na cabeça de Montenegro que, havendo uma maioria parlamentar de direita (com o Chega), mais vale fazer explodir as linhas vermelhas e associar-se a Ventura para um governo estável.

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A entrevista de Pedro Passos Coelho ao podcast de Maria João Avillez, “Eu estive lá”, do Observador, é uma das melhores peças dos últimos tempos. Passos Coelho não dava uma entrevista desde que abandonou a liderança do PSD e as suas aparições têm sido raras.

É verdade que o lançamento do livro “da família” e a entrevista aparecem em duas semanas consecutivas. Parece uma “teoria da conspiração” mas efectivamente não é. Como explicou a autora, o objectivo era pôr o entrevistado a falar do “governo da troika” e o início de Abril é o aniversário da chamada do FMI e restantes instituições pelo governo Sócrates em 2011.

Agora, o que Passos vem dizendo – já sabíamos que defendia a coligação com o Chega, mas sinalizou o facto novamente no lançamento do famoso livro – é que pode ser ele, efectivamente, o “grande líder” da direita portuguesa, se Montenegro não se puser a pau e optar por entender-se com o Chega.

Se este Governo AD, sem maioria parlamentar, durar o que se espera (pouco), se Montenegro insistir na recusa de acordos com o Chega, é quase impossível que o futuro não passe por uma candidatura de Passos Coelho à liderança do PSD, e novas eleições em que no programa do partido estará a aliança com o Chega.

Na entrevista a Maria João Avillez, o antigo primeiro-ministro não é particularmente simpático com o “Luís”, como o tinha sido em Faro durante a campanha. Aliás, comete a deselegância de afirmar que se não fosse ele, Passos, a indicá-lo para a liderança parlamentar, Montenegro nunca teria chegado a primeiro-ministro. Reconhece a evidência de que a “criatura” (eis como vê Montenegro) se afastou do “criador”, mas aí, elegantemente, admite que é normal as coisas mudarem.

Tal como tinha ficado evidente no lançamento do livro e agora na entrevista, Pedro Passos Coelho tem uma estratégia de poder e de um regresso ao poder. E essa estratégia consegue-se pôr de pé de maneira mais eficaz no cargo de líder do PSD do que de Presidente da República. Embora um Presidente da República também possa influenciar estratégias (e até ser eleito com os votos dos que contribuíram para os 50 deputados do Chega).

Evidentemente, para já, o que Passos Coelho quer é influenciar estratégias. Uma entrevista que Miguel Relvas, antigo braço-direito de Passos Coelho e também ele contra "cordões sanitários", deu à TDM (Televisão de Macau) por estes dias, é significativa. Relvas assume que “as pessoas entendem a intervenção de Pedro Passos Coelho como sendo fora do normal, como se fosse algo premeditado ou contra alguém”.

O ex-ministro não concorda e faz “o desafio de inverter a premissa”: “E se Pedro Passos Coelho fala por sentir, simplesmente, que não tem razões para estar em silêncio? Se é o seu partido que voltou ao poder ao fim de nove anos e se é a gente que trabalhou com ele que assume, agora, responsabilidades governativas, por que razão haveria de se resumir ao silêncio?”.

Traduzindo Relvas: por muito que Montenegro não goste, Pedro Passos Coelho deve mostrar a sua estratégia alternativa para o PSD e, eventualmente, convencê-lo da sua bondade. O ex-ministro termina o raciocínio de uma forma curiosa – “As pessoas questionam as razões para Pedro Passos Coelho intervir, esquecendo que ele não tem é razões para não intervir. Pelo contrário”.

Ou seja, Pedro Passos Coelho quer meter na cabeça de Montenegro que havendo uma maioria de direita (com o Chega) na Assembleia da República, mais vale fazer explodir as linhas vermelhas e associar-se a Ventura para encontrar estabilidade, sob pena de fazer implodir essa maioria a curto prazo.

Se Montenegro negar-se a seguir os conselhos – é verdade que baseou a sua campanha no “não é não”, embora também a tenha sustentado numa grande descida de impostos – Passos Coelho estará cá para mostrar como se faz. E, ao ter-se colocado muito mais à direita (mesmo nos costumes, onde não era), o próprio Passos pode sonhar em captar algum eleitorado do Chega. Aguardam-se os próximos capítulos da novela à direita.

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