Portugal não tem estratégia global para reduzir pegada ambiental no sector da saúde

Estudo indica que Portugal não tem planos de mitigação climática para a saúde. Trabalho foi apresentado esta quinta-feira numa conferência em Lisboa sobre os impactos do sector no ambiente.

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Estudo elaborado por investigadora da Faculdade de Medicina de Lisboa compara planos de mitigação do impacto ambiental de dez sistemas de saúde internacionais Nuno Ferreira Santos
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O sector da saúde em Portugal não possui planos de mitigação climática abrangentes, sugere um estudo que foi apresentado esta quinta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no âmbito da conferência Impacto dos Sistemas de Saúde no Ambiente: Que Caminhos de Transformação?.

O estudo, uma tese de fim de curso desenvolvida pela investigadora Carolina Monteiro na Faculdade de Medicina de Lisboa, compara planos de mitigação do impacto ambiental de dez sistemas de saúde internacionais. No trabalho, é possível cotejar o que existe hoje em Portugal com os modelos adoptados em países como a Austrália, a Escócia, os Estados Unidos, os Países Baixos, a Irlanda, o Reino Unido, por exemplo.

A conclusão indica que Portugal não tem uma estratégia global para reduzir a pegada ambiental na saúde. Embora o país tenha metas claras de redução de emissões de gases com efeito de estufa até 2030 e 2050, por exemplo, não contamos com um calendário semelhante para o sector da saúde. O orientador da tese, o médico António Vaz Carneiro, explicou ao PÚBLICO que o artigo deverá agora ser submetido para publicação na Lancet, a revista científica de referência na área da saúde pública.

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O professor António Vaz Carneiro orientou a tese de fim de curso da investigadora Carolina Monteiro

“Trata-se de uma tese de fim de curso que tem uma qualidade extraordinária”, afirma Vaz Carneiro, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde preside ao Instituto de Saúde Baseada na Evidência (ISBE), entidade que co-organiza a conferência com o Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), o Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública e o Instituto de Saúde Ambiental.

“Este é o primeiro estudo que vejo, nacional e internacionalmente, que compara estratégias de redução da pegada ecológica no sector da saúde – ou a ausência delas. Como nós, Portugal, estamos no princípio, acho que não devemos inventar a roda, e aprender com o que de bom se está a passar noutros países e sistemas de saúde. Esta comparação é, portanto, muito útil para nós. Permite-nos perceber como estamos em relação a outros países, que medidas estão a tomar e o que estão a fazer nesse âmbito”, explica ao PÚBLICO Luís Campos, presidente do CPSA, numa chamada telefónica.

O CPSA é uma associação sem fins lucrativos, criada em Outubro de 2022, que agrega mais de 80 organizações ligadas à saúde em torno de objectivos comuns, incluindo a redução da pegada ecológica do sector da saúde, actualmente responsável por 4,8% da emissão de gases com efeito de estufa em Portugal. “Trata-se de uma média superior aos demais países da Europa”, sublinha o médico internista Luís Campos, que defende que todos os profissionais de saúde devem ter um papel activo na luta contra a crise climática.

Embora Portugal não tenha um plano abrangente de mitigação climática no sector da saúde, que cubra diferentes áreas de forma robusta e integrada, o estudo identifica pelo menos um relatório de envolvimento nacional em iniciativas de neutralidade carbónica no sector da saúde. Trata-se da participação na Operation Zero, da organização Healthcare Without Harm, que tem como objectivo promover cuidados de saúde com menos emissões de gases com efeito de estufa.

“Nós não consideramos, contudo, que esta iniciativa seja tão abrangente como os planos dos nove países estudados. Sugerimos neste trabalho as pistas para que possamos alcançar esse mesmo patamar”, refere Vaz Carneiro, que se diz “muito optimista” em relação aos progressos que podem ser feitos no sector da saúde.

O professor recorda o longo caminho feito até agora por Portugal em outras políticas ambientais – as energias renováveis, por exemplo –, e sublinha a importância de esse pensamento ambiental passar a integrar transversalmente o sector da saúde. Isto implicaria inúmeras mudanças como, por exemplo, promover as teleconsultas para reduzir deslocações rodoviárias, abandonar a prescrição de inaladores ou de anestesia com gases com efeito de estufa, repensar as ementas servidas aos doentes e funcionários, apostar na reutilização de certos dispositivos médicos ou até produzir energia dentro dos próprios hospitais.

“Agora temos de ir à boleia dessas políticas ambientais que já existem para ter uma solução com sucesso no sector da saúde. Estamos a tentar ajudar os decisores políticos a ter em conta o que é necessário para construir um sistema de mitigação”, afirma Vaz Carneiro.

Além do estudo Landscape of Climate Mitigation Strategies in Healthcare da investigadora Carolina Monteiro, integram o programa do evento – que decorreu no auditório três da Fundação Calouste Gulbenkian, das 14h30 às 18h0, – exemplos de estratégias de sustentabilidade ambiental em algumas organizações. “Esta disseminação de boas práticas é um incentivo para que as instituições se envolvam e priorizem a questão da sustentabilidade ambiental”, afirma Luís Campos.

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