As alterações climáticas e o impacto na saúde

Nós, profissionais de saúde, temos a obrigação ética de nos envolver nesta luta, enquanto cidadãos, pais e cuidadores.

Pertenço uma geração que assistiu às mais fantásticas e rápidas mudanças da história da humanidade, científicas, tecnológicas, sociológicas e culturais, no entanto, com o decorrer dos anos, fomos também ganhando a triste consciência de que vamos deixar este planeta em pior estado do que o que recebemos dos nossos pais, mais degradado, mais inseguro e à beira da insustentabilidade.

O secretário geral da ONU, António Guterres, dizia na abertura da COP27: “Estamos numa autoestrada para o inferno climático e temos o nosso pé no acelerador”. A verdade é que estamos assustados e carregamos um sentimento de culpa.

As consequências do aquecimento global são dramáticas, mas, para além das mudanças climáticas, outros fenómenos estão a afectar os seres humanos como a superpopulação, as desigualdades, a crise económica, a ameaça nuclear, a perda da biodiversidade, a degradação dos ecossistemas e o esgotamento das reservas naturais.

A ONU anunciou na COP27 que os últimos oito anos foram os mais quentes de sempre. O crescimento da população mundial é avassalador, somos actualmente 7,8 biliões de habitantes a povoar a terra e o planeta já não suporta esta população: desde 1970, a nossa pegada ecológica excedeu a taxa de regeneração da Terra. Enquanto isso ocorre, as reservas naturais caminham para o esgotamento: um dos maiores fabricantes de hambúrgueres do mundo gasta tanta água como a água potável consumida por dez países africanos.

A dimensão da iniquidade é chocante: os 62 bilionários mais ricos do mundo possuem tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população mundial, e esta desigualdade acentuou-se durante a pandemia. A perda da biodiversidade está bem expressa no facto de existirem actualmente cerca de um milhão de animais e plantas em vias de extinção. A degradação dos ecosistemas tem uma expressão brutal no nosso país: em Portugal, nos últimos 20 anos, ardeu uma área equivalente a 2,6 milhões de campos de futebol. Muitas mudanças devido a emissões de gases com efeito de estufa, passadas e futuras, são irreversíveis, especialmente as mudanças nos oceanos, nas camadas de gelo e no nível do mar

Quais são as consequências para a saúde destas alterações?

Um relatório da OMS afirma que um quarto da carga global de doenças se deve a fatores ambientais modificáveis ​​e as doenças mais influenciadas pelo ambiente são as doenças cardio e cerebrovasculares, a diarreia, as infecções respiratórias, a asma, a doenças pulmonares obstrutivas crónicas e o cancro. Estima-se que mais de cinco milhões de mortes possam ser atribuídas a temperaturas extremas, afectando particularmente as populações mais vulneráveis. A poluição é responsável por cerca de 9 milhões de mortes por ano. As doenças relacionadas com a qualidade da água e as consequências da sua escassez, assim como a falta de alimentos, estão a abater-se sobre as populações.

A degradação do meio ambiente e dos ecossistemas está a acentuar os movimentos migratórios, os conflitos e as doenças mentais. A ocorrência cada vez mais frequente de ciclones, inundações, secas e incêndios é a origem de muitas vítimas. A ecologia das doenças transmitidas por vetores também está a mudar e é provável que se inverta a tendência de redução da prevalência destas doenças, que estávamos a conseguir. O risco de pandemias provocadas por zoonoses (doenças que são transmitidas pelos animais) vai ser cada vez maior.

Por outro lado, o setor de saúde tem uma pegada ecológica que equivale a 4,4% das emissões líquidas globais de gases com efeito de estufa. Se o setor da saúde fosse um país, seria o quinto maior emissor do planeta.

Nós, profissionais de saúde, temos a obrigação ética de nos envolver nesta luta, enquanto cidadãos, pais e cuidadores.

Devemos defender medidas que reduzam a emissão de gases com efeito de estufa e a degradação ambiental e as suas consequências sobre a saúde das pessoas. Exigir e contribuir para a redução da pegada ecológica do sector da saúde e para capacitar o sistema de saúde para responder a esta transição epidemiológia e a eventos inesperados. Devemos identificar oportunidades de melhoria, exigir e denunciar mas também trazer a ciência para apoiar as decisões políticas neste âmbito. Pretendemos contribuir para a conscientização da população e dos profissionais de saúde para este problema, melhorar a educação, incentivar a investigação, mudar comportamentos, tornar as organizações ligadas à saúde e os profissionais de saúde agentes ativos na defesa de práticas sustentáveis ​​para o meio ambiente e modelos na adoção de comportamentos ecologicamente corretos.

Na verdade, já há muitos bons exemplos de programas de sustentabilidade a nível de muitas organizações de saúde e de hospitais, mas falta, em Portugal, uma voz comum na área da saúde, falta inteligência colaborativa e uma estratégia comum. Foi essa ambição que nos levou à criação do Conselho Português para a Saúde e Ambiente, fundado no dia 19 de Outubro, o qual reúne 39 das organizações mais importantes na área da saúde, incluindo ordens profissionais, sociedades científicas, laboratórios farmacêuticos, grupos privados de saúde e várias associações, incluindo de doentes.

Estamos numa corrida de contra-relógio. Não estamos seguros que ainda seja possível reverter este caminho, mas uma coisa é certa, não vamos conseguir se não tentarmos. A saúde humana está dependente da saúde do planeta. Temos que defender o direito a uma vida sustentável, feliz e saudável para nós e para as próximas gerações.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar