Um em cada dez portugueses é veggie. Mulheres continuam a liderar

Tendência decresceu ligeiramente em relação ao último relatório, de 2021. Entre os omnívoros, 34% tentam reduzir o consumo de carne vermelha e 15% o consumo de todos os tipos de carne.

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Em 2023, 11,2% das mulheres são veggies, já os homens são 7,1% Nelson Garrido/Arquivo
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Em Portugal, a tendência veggie — que junta as pessoas que são vegan (excluem da sua alimentação produtos de origem animal), vegetarianas (que consomem derivados animais, como ovos ou leite) e flexitarianas (que comem carne ou peixe de vez em quando) — caiu ligeiramente, diz o relatório The Green Revolution, feito de dois em dois anos, e que é apresentado nesta quarta-feira, em Lisboa, pela consultora de inovação espanhola Lantern. Em 2019, 9% da população assumia uma alimentação veggie, valor que subiu para 11,9% em 2021, mas decaiu para 10,4% em 2023.

Este valor representa 910 mil consumidores com mais de 18 anos, que vivem em todo o país, ou seja, uma alimentação à base de plantas não é apanágio das grandes cidades. A ligeira descida verificada aponta que se perderam cerca de 90 mil portugueses para a dieta omnívora e esse impacto sentiu-se mesmo entre os flexitarianos (uma quebra de 0,7% comparativamente a 2021). Embora em queda, são as mulheres que persistem na tendência veggie, nota o estudo, especialmente na dieta vegan e vegetariana. Em 2023, 11,2% das mulheres são veggie, já os homens são 7,1%. Há dois anos, elas eram 13,7% e eles 9,8%. "É possível pensar que as mulheres aderem a esta dieta com mais convicção do que os homens porque dão prioridade à saúde", interpreta o relatório.

Porque abandonam os consumidores o consumo de alimentos de origem animal? Para 68%, é por razões de saúde, 58% referem o bem-estar dos animais e 41% referem a preocupação com a sustentabilidade — este argumento aumentou entre os flexitarianos. Se 89,6% dos portugueses são omnívoros, destes 49% afirmam que estão a reduzir o consumo de carne (15%), especialmente a vermelha (34%). Entre os designados "supercarnívoros", que não tencionam abandonar esse consumo, há mais homens do que mulheres, assim como são mais jovens do que velhos.

Embora os veggies estejam representados em todas as faixas etárias, 16% estão entre os 25 e os 34 anos; e 13% têm idade superior aos 65 anos (nesta faixa, a maioria é flexitariana). Porque inclui a Lantern os flexitarianos no seu conceito de veggie? Porque são pessoas que consomem pouca carne ou peixe, uma espécie de "vegetarianos em part-time". Os veggies são todos aqueles que assumiram uma "dieta eminentemente vegetal, em diferentes níveis, dos mais estritos (vegans) aos mais flexíveis (flexitarianos). Noutros mercados denominam-se plant forward diets", explica David Lacasa, sócio da Lantern, ao PÚBLICO.

A culpa é da pandemia?

No início do relatório, a Lantern refere que desde 2019, quando foi publicada a primeira edição do The Green Revolution, acreditava que a tendência veggie "era muito forte e que iria crescer", e se tal se confirmou dois anos depois, com a consultora a comparar o "movimento veggie global à força de um tsunami", agora assinala uma descida. Esta deve-se não só à pandemia — então, aumentou a consciencialização para a saúde, o ambiente e os animais; mas terminado o confinamento, houve como que um "efeito ricochete" e as pessoas ficaram "ávidas de prazer e de desfrutar em todos os sentidos", incluindo a alimentação —, mas também ao preço dos produtos, reconhece David Lacasa. "O preço dos produtos, claramente, não ajuda a que o mercado cresça e é o primeiro motivo de insatisfação, mas não é uma barreira para a mudança da dieta, já que existem outras opções de alimentos mais económicas", salvaguarda.

A tendência para alguma estagnação também se reflecte nos dados de vendas reais das categorias plant based, aponta o relatório, citando dados da Nielsen IQ de final do ano passado, para Portugal. Se as alternativas vegetais aos lacticínios mantiveram o seu crescimento — com vendas de 40,6 milhões de euros, em 2021, para 42,3 milhões, em 2023, nas alternativas ao leite; e de 10,1 milhões para 12,5 milhões para alternativas vegetais ao iogurte —, verificou-se uma queda no volume de vendas das alternativas à carne à base de vegetais — de 5,9 para 5,4 milhões de euros.

Esta descida não estará relacionada com o facto de Portugal ser dos principais consumidores de pescado do mundo e seguir a dieta mediterrânica? "Acredito que poderá haver ainda muita gente que não entenda que a sua dieta actual não é saudável e, por isso, não tem motivos para mudar. A dieta mediterrânica pode ser, sim, um dos motivos", reconhece David Lacasa, sublinhando que a principal motivação para seguir uma dieta veggie é a saúde.

Segundo o relatório, os países europeus mais atrasados neste movimento são Portugal, Itália, Espanha e França; sendo que os que estão na linha da frente são a Alemanha, a Áustria e os Países Baixos — nestes, os consumidores veggie são um terço da população. Não será porque os primeiros são países onde se pratica a dieta mediterrânica, rica em legumes, vegetais e frutas?, insiste o PÚBLICO. "Claramente o factor cultural tem um impacto muito forte na evolução do mercado plant based. Mas também é verdade que nos Países Baixos ou na Alemanha o número de vegans e de vegetarianos é muito superior e a sensibilização ambiental também, dois motores relevantes deste mercado", responde o sócio da Lantern.

Preços e mercados

Se, por cá, os preços dos produtos à base de plantas são elevados comparativamente aos preços de produtos tradicionais como o leite ou a carne, David Lacasa refere que nos Países Baixos ou na Alemanha os preços não são assim tão diferentes. "Acredito que as economias de escala e as melhorias tecnológicas vão fazer com que estes produtos baixem o preço." Além disso, consoante os mercados, "há produtos de origem animal com grandes ajudas dos Estados que têm um grande impacto no preço final [baixando-os] – sem estas ajudas, não seria a mesma coisa", salvaguarda.

Ao contrário do que acontece em Portugal, na Alemanha, na Áustria e nos Países Baixos a categoria mais impulsionada é a das alternativas à carne. Na Alemanha há uma forte consciencialização para o bem-estar animal e a sustentabilidade, sobretudo entre os jovens, aponta o relatório. Já em Portugal, verificou-se uma quebra no consumo de alternativas às almôndegas, salsichas, assim como hambúrgueres e enchidos. Os consumidores preferem o original. As alternativas vegetais às sobremesas, ao queijo e ao gelado não sofreram grandes alterações, continuam a ser categorias residuais.

"Estes produtos precisam de dar ao consumidor um motivo relevante para o seu consumo, o que actualmente não acontece. Mudar só porque, aparentemente, é mais sustentável não é suficiente", argumenta Lacasa. Contudo, se forem melhores para a saúde, pode ser "relevante e diferenciador". Ou seja: "Os produtos devem ter uma vantagem face aos que estão a substituir, e o aspecto nutricional pode ser o que faz mais sentido em termos de vantagens competitivas."

Para já, o investimento da indústria no mercado à base de plantas mantém-se, com este a investir em nova tecnologia, como a cultura de células e fermentação de precisão, refere o relatório. "Os grandes fundos de investimento têm identificado que a área com mais crescimento é a parte de downstream, ou seja, as startups de novos ingredientes e tecnologias, onde agora está o maior desafio para o crescimento da categoria", descreve Lacasa.

O sócio da Lantern — uma consultora espanhola que promove conceitos de novos produtos, serviços e modelos de negócios nesta área — lamenta o modo como é feita a regulação destes produtos na Europa, comparando com os EUA. "A burocracia da agência europeia é um travão para a inovação nesse sentido, já que atrasa muito os processos de avaliação", diz, dando como exemplo a Impossible Burguer, uma empresa que desenvolve produtos à base de plantas substitutos da carne, que "tem mais de dez anos no mercado, e a EFSA [Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar] ainda não permite a sua venda na Europa devido a um ingrediente que o produto tem e que é feito com fermentação de precisão".

A Lantern traça quatro cenários até 2030, desde o primeiro em que não se verificam grandes alterações no mercado dos produtos à base de plantas até àquele em que toda a população é veggie. Qual é o futuro da alimentação? "Acredito que o futuro terá de ser muito mais sustentável e contribuir mais para a saúde das populações. A forma como irá acontecer ainda é difícil de antever. Há muitas novas tecnologias e investimento em investigação a decorrer que podem mudar muito o que comemos e como comemos. É por isso que o momento actual é tão apaixonante", responde David Lacasa.

A consultora fez esta terceira edição do The Green Revolution com base em 1005 entrevistas com representação da população portuguesa por sexo, idade e zona geográfica, durante o passado mês de Novembro — este tem uma margem de erro de 3,2%, diz o mesmo.

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