Fundos: “Prémio” para gestores que voltem à escola e liquidez gratuita contra atrasos

Programa do executivo repete quase a papel químico as propostas eleitorais da coligação eleitoral AD para os fundos europeus. Gestores que voltem à escola podem ter apoios reforçados.

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Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão Territorial, que tutela a pasta dos fundos europeus
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No que toca aos fundos europeus, o Programa de Governo, apresentado nesta quarta-feira e que será levado à Assembleia da República, repete quase a papel químico aquilo que já constava do programa eleitoral da coligação Aliança Democrática (AD), apresentado em Fevereiro para as eleições de Março.

Destaca-se a vontade, agora em nome do executivo de Luís Montenegro, em reformar o sistema dos fundos europeus, prometendo-se "aumentar a transparência" na atribuição de fundos, uma "fiscalização rigorosa" e, tal como já constava do programa eleitoral, encontrar uma solução com a banca comercial e o Banco de Fomento para "ceder liquidez gratuita" aos beneficiários de apoios europeus quando o pagamento esteja atrasado. E até levanta a hipótese de majorar o apoio a empresas se os gestores frequentarem formação em escolas de negócios.

Em número de páginas, programa de Governo e da AD são praticamente iguais (185 vs. 184). E o número de referências literais às siglas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) são quase idênticas (11 vs. 12).

A linha-mestra é também a mesma, plasmada num conjunto de verbos que se repetem: "acelerar"; "recuperar"; "corrigir"; "reforçar".

O Governo propõe "acelerar a execução da componente 5 do PRR, em especial a que se refere à transformação estrutural da economia portuguesa através das agendas mobilizadoras para a inovação empresarial". É algo que qualquer outro partido com ambições governativas subscreveria, incluindo por maioria de razão o PS, que lançou esta medida e reconhecia que era preciso garantir maior celeridade nos processos de análise, decisão e pagamento aos consórcios.

Propõe também "acelerar a execução da componente 11 do PRR, relativa à promoção e apoio financeiro aos projectos pluridimensionais que promovam a neutralidade carbónica". Mais uma medida que parece consensual, face ao atraso acumulado, e que, pelo lado do Governo, é um objectivo explicitamente nomeado, algo que não estava no programa eleitoral da AD.

Nesta lógica de compromisso de velocidade, o executivo nomeia ainda a meta de "acelerar a componente 16 do PRR, focada na transição digital do tecido empresarial (aceleradoras do comércio digital e bairros comerciais digitais)".

Dá a ideia de que o executivo foi consultar as avaliações da execução do PRR (feitas por exemplo pela Comissão Nacional de Acompanhamento deste programa) e que verteu para o Programa de Governo objectivos concretos ligados às medidas ou componentes que têm sido identificadas como estando mais atrasadas. A Componente 16 também não estava individualizada no programa da AD.

Há ainda referências à necessidade de "acelerar" outras componentes, como na Cultura ou na Economia do Mar, mas há um parágrafo que talvez resuma toda esta ideia de celeridade, ligando-a a outra ideia que surge igualmente em grande foco: a fiscalização.

"No âmbito da governação do PRR, corrigir as deficiências que têm sido identificadas pelos diferentes órgãos de supervisão, tais como a falta de capacidade para evitar o duplo financiamento e os conflitos de interesse, bem como acelerar a sua implementação."

Os verbos "corrigir" e "reforçar" são quase usados em tandem, como muitas vezes acontece nos documentos da administração pública em que se diagnosticam problemas. Por vezes, são substituídos por expressões que se pretendem sinónimos.

"O foco na gestão dos fundos europeus passará por eliminar redundâncias entre os vários programas, reduzir atrasos na sua implementação e alocar os recursos financeiros a projectos de elevada qualidade. No âmbito do Estado e demais subsectores da administração pública, será dada primazia às despesas em investimentos em substituição de despesas correntes."

No programa de Governo, o verbo "reforçar" surge 103 vezes, algumas delas no contexto desta reforma dos fundos europeus – algo que nunca poderá ser feito por um executivo sozinho, já que as regras gerais são sempre definidas em Bruxelas. Por exemplo: "Reforçar os meios humanos e tecnológicos para poder acelerar a implementação do PT 2030 e recuperar do atraso que se regista".

Ou assim: "Reforçar os meios de fiscalização e mecanismos de controlo da correcta aplicação dos fundos europeus, alargando canais de denúncia e reforçando as fiscalizações no local".

O que deveria ser uma ideia-base de qualquer euro gasto por qualquer Estado surge também aqui, como noutros programas eleitorais ou de Governo do passado, transformado numa medida programática: "Optimizar a execução dos fundos, com enfoque no valor acrescentado, com máxima exigência na aprovação e total alinhamento com transformação de longo prazo da economia."

Finalmente, guarda-se neste aspecto uma palavra à "capacitação" – palavra que tem vindo a substituir na língua dos governos e dos burocratas outras mais badaladas, como "formação", "treino".

Neste caso, o Governo quer "capacitação dos gestores, em parceria com as escolas de negócios nacionais". Para ajudá-los, é preciso que quem está a gerir saiba aproveitar as ajudas e para tal é preciso "aumentar a capacidade dos gestores nacionais", lê-se no programa.

Esta formação deve passar por "programas desenhados à medida, com um pendor prático forte, com partilhas de casos e modelos de gestão" – aquilo que as escolas já fazem hoje. Mas "esta medida será de cariz facultativo" – embora, diz o Governo, "poderá resultar na majoração dos incentivos relacionados com os fundos". Uma espécie de "prémio" às empresas cujos gestores tenham regressado à escola – medida que também já constava do programa eleitoral da AD.

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