Fosso salarial é mais grave nos jovens: elas recebem menos 26% do que eles

Os jovens que já entraram no mundo laboral trabalham 38 horas por semana e auferem 1007 euros por mês. Com um salário “significativamente inferior”, as jovens recebem, em média, 836 euros por mês.

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Apenas 20% dos jovens têm casa própria, segundo o estudo apresentada nesta terça-feira Maria Abranches (arquivo)
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Mais de metade dos jovens portugueses (65,6%) recebe menos de 1000 euros por mês e a disparidade salarial entre homens e mulheres é uma realidade que se inicia cedo na vida activa: elas ganham em média menos 26% do que eles. Estas são duas das principais conclusões apresentadas no estudo Retrato da população jovem portuguesa: Quem são, o que as/os move “agora” e quais as suas expectativas, apresentado nesta terça-feira nas jornadas de Psicologia do Instituto Universitário de Ciências da Saúde – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário, CESPU.

Ao PÚBLICO Rui Serôdio, professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), um dos coordenadores do estudo, realça ainda a fatia de jovens que não têm trabalho a tempo inteiro, que, apesar de uma serem minoria, representam cerca de 24% do total.

De acordo com a investigação, que contou com uma amostra de 5137 indivíduos dos 12 aos 30 anos, os jovens que já entraram no mundo laboral, em média, trabalham 38 horas por semana e auferem 1007 euros por mês. E, se as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativas ao total da população activa já alertam para uma décalage de 16% entre homens e mulheres, a análise dos dados para a população jovem mostra um fosso ainda maior.

Com uma “remuneração mensal significativamente inferior”, como consta do estudo, as mulheres jovens recebem, em média, 836 euros mensais, enquanto os elementos do sexo masculino auferem 1130 euros. Ou seja, em média, as jovens auferem menos 26% do que os jovens”, elucidam os autores no estudo, que, realizado a pedido da Movijovem e levado a cabo pelo grupo de investigação SINLab (Social Inclusion Laboratory), contou também com a coordenação de Alexandra Serra, professora do Instituto Universitário de Ciências da Saúde (IUCS-CESPU), além de Rui Serôdio.

“A explicação [para a diferença entre os 16% e os 26% no fosso salarial] será porque se trata apenas de população jovem, enquanto os dados do INE dizem respeito a toda a população portuguesa que trabalha. Só isso faz uma grande diferença na análise dos dados. Estamos a falar de classes profissionais, trabalhadores, substancialmente diferentes no nível salarial que têm”, diz o investigador.

Contudo, se forem elas a fazer as contas, a “perspectiva” é a de que “eles ganham mais 35%”, refere a investigação. “Se ficamos preocupados com 26% de décalage ou mesmo com os enormes 16% do INE, muito mais ficamos com os 35%, se forem as mulheres a olhar para os salários”, sublinha Rui Serôdio.

Ainda no que toca a diferenças salariais, a latitude e a longitude também parecem ser um factor diferenciador: é no litoral do país que os jovens obtêm os salários mais elevados, que chegam, em média, aos 1022 euros. No interior este valor desce para os 973 euros e nas ilhas para os 889 euros mensais.

Maioria dos que não trabalham é estudante

Face à estrutura etária da amostra, não é de estranhar que cerca de metade da população jovem portuguesa dependa, sobretudo, dos rendimentos do agregado familiar (56,76%), e cerca de um terço dos seus próprios rendimentos do seu trabalho (37,35%). Menos de 5% subsistem através de outros apoios sociais, subsídio de desemprego, ou apoio de outras pessoas (como pessoas vizinhas ou amigas).

Entre a população jovem que não tem um trabalho remunerado, a principal ocupação é a de estudante, a que se seguem as situações de desemprego que, no seu conjunto, correspondem a 5,4% de jovens. Quanto aos jovens empregados, a maioria (62,3%) está já no segundo emprego, ou posterior. E a maioria (74,1%) dos jovens trabalha em regime de tempo inteiro, enquanto os regimes de tempo parcial ou ocasional correspondem a cerca de 12% cada.

No que respeita à correspondência do trabalho com as áreas de formação prévia, conclui-se que 67,2% trabalham na área em que se formaram, enquanto um terço dos jovens trabalha em áreas que não estão associadas à sua formação (32,76%).

Contas feitas ao valor do salário mínimo nacional, que na altura de recolha dos dados (2022) se fixava nos 705 euros, verifica-se que 52% dos jovens que trabalham até 35 horas recebem, em média, 725 euros por mês. Já dos que trabalham entre 35 e 40 horas, a maioria (78,6%) recebe 847 euros. Quanto aos jovens que trabalham mais de 40 horas por semana, o salário médio fixa-se nos 1144 euros por mês. Só um terço dos jovens recebe entre mil e três mil euros mensais.

Além de analisarem a situação de empregabilidade dos jovens, os investigadores avaliaram também dimensões como a cultura, a educação, a identidade e a habitação, entre outras.

Habitação: uma pretensão que “vai sendo adiada

Quanto à habitação, por exemplo, é possível aferir que entre os jovens que responderam ser dependentes em questões de habitação, a grande maioria referiu viver com a família (87,77%). Os restantes cerca de 12% distribuem-se pelas situações de casa/quarto arrendado e residência universitária.

Quanto aos que disseram ser independentes em termos habitacionais, 34,86% vivem em casa arrendada e 20,18% possuem casa própria. Neste ponto, os autores destacam que cerca de um terço dos jovens vive numa casa que pertence à família.

Quanto a encargos financeiros com a habitação, os valores para um “quarto arrendado” rondam, em média, os 270 euros mensais. Contudo, deve assinalar-se que 36,36% dos jovens pagam entre 300 e 499 euros por um quarto, o mesmo que 45,45% pagam por uma casa própria e 38,42% por uma casa arrendada. É na situação de casa arrendada que se verifica o maior custo: um valor médio de 428 euros, mas 11,76% dos jovens pagam mais de 700 euros de renda mensal. Um número preocupante, quando se considera que a retribuição mínima mensal garantida para 2022 foi estabelecida em 705 euros”, assinala-se na investigação.

A expectativa (e desejo) da maioria dos jovens (77,7%) é a de poderem vir a ter casa própria e colocam os 29 anos como horizonte temporal para cumprirem esse objectivo. É uma pretensão que “vai sendo adiada”, lê-se no estudo, já que, quando se põe esta questão a quem tem mais de 25 anos, esse horizonte sobe para os 33 anos.

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