À atenção do sr. primeiro-ministro e do novo ministro responsável pelas florestas

Há uma reforma estrutural que está por fazer no sector florestal, e que devia ter sido iniciada em meados do século XX.

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Exmos. srs. primeiro-ministro e ministro responsável pelas Florestas,

Esta carta vai para os dois porque o que de aqui se trata não deve ser matéria sectorial.

Estou a escrever-vos para chamar a vossa atenção para uma reforma estrutural que está por fazer no sector florestal e que devia ter sido iniciada em meados do século XX quando a população rural iniciou definitivamente o seu processo de declínio.

Fiz o mesmo apelo aos anteriores responsáveis por esta pasta, ao longo dos últimos 30 anos, muitas vezes nas páginas deste jornal, sem nenhum sucesso até agora.

Essa reforma consiste no desenvolvimento de um serviço de extensão florestal, com co-financiamento público adequado, que apoie os produtores florestais privados, especialmente os que têm propriedades de dimensão pequena e fragmentada. Portugal está no topo da tabela, a nível mundial, no que toca à percentagem da área florestal privada, sendo que grande parte dela está muito dividida.

Umas vezes fala-se e actua-se como se não houvesse nada a esperar de uma estrutura da propriedade florestal como esta no que toca ao desenvolvimento florestal. É o discurso do “absentismo”. Outras vezes, vem-se com políticas irrealistas visando “grandes reformas”, em vez de se apoiar os proprietários que existem a gerirem melhor a floresta que têm, dando passos que podem parecer “pequenos”, mas que sejam exequíveis e que vão nessa boa direcção.

Nos tempos em que não havia organizações de produtores florestais, esse serviço de extensão florestal teria que ter sido criado a partir do zero. Era o que propunha, nos anos 80, o Projecto Florestal Português financiado pelo Banco Mundial que teve verbas previstas para isso que não foram utilizadas. O PAF – Programa de Acção Florestal que se lhe seguiu também teve verbas previstas para isso que, de novo, não foram utilizadas.

Na década de 90 surgiram as organizações associativas de produtores florestais. Existindo estas organizações é nelas que deve estar ancorado o serviço de extensão florestal. Note-se que este tipo de serviço já corresponde a muito do trabalho realizado por estas organizações, mas com um problema que não está devidamente resolvido e que prejudica muito a sua sustentabilidade económica. Grande parte desse serviço não é remunerado. Algum do seu custo pode e deve ser pago pelos associados, mas a maior parte não, havendo um argumento económico forte para que haja aqui co-financiamento público: este serviço e outros que as organizações de produtores florestais prestam tem a natureza económica de um “bem público”, beneficiando, por isso, toda a sociedade, sem que o acesso a esse benefício esteja condicionado ao pagamento de um preço que cubra o custo desse serviço. Os associados destas organizações e as outras pessoas que voluntariamente colaboram com elas já pagam parte dos custos desse “bem público”, mas é justo que o resto da sociedade, através de quem tem legitimidade democrática para isso, também colabore no seu co-financiamento.

Ora o que há quanto a este co-financiamento público é muito pouco, está mal desenhado e tem muitas deficiências na sua implementação.

É urgente, pode ser implementado rapidamente e não exige muito dinheiro corrigir esta situação. O universo e o trabalho das organizações de produtores florestais são bem conhecidos por quem tem responsabilidades públicas neste sector. Por isso, o seu reconhecimento está feito. O que falta fazer é dar às organizações de produtores florestais liberdade de planeamento estratégico para definirem os planos de acção e as metas que acharem adequadas e exequíveis para o seu trabalho de extensão florestal, sem ditames de “cima para baixo”. Juntamente com isto, como é óbvio, é preciso definir mecanismos de monitorização da utilização dos fundos públicos de prestação de contas e de avaliação de resultados, com penalização de incumprimentos injustificáveis.

No 30.º Aniversário da Associação Florestal do Vale do Sousa,

À vossa consideração,

Com respeitosos cumprimentos,

Américo M. S. Carvalho Mendes

(Professor de Economia da Católica Porto Business School e voluntário do associativismo florestal há mais de 30 anos no Vale do Sousa e não só)

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