Pela sustentabilidade do território

Precisamos de coragem para voltar a instituir um Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural que corporize políticas agregadoras de subsectores naturalmente interdependentes.

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Depois das próximas eleições, e sejam quais forem os vencedores, há aspectos de relevo nacional que deverão estar na primeira linha de preocupações dos políticos – e de todos os portugueses: são os que se referem às políticas de médio e longo prazo que garantam a sustentabilidade do nosso território.

E só existirá um país sustentável com perenidade, se avançarmos para uma economia social de mercado, porque nas últimas décadas temos assistido a uma deriva para uma economia de mercado desregulado que permitiu ter as “contas certas”, mas vai deixando o país cada vez mais desprotegido e na dependência externa para sobreviver; PS e PSD são os principais responsáveis…

Há dois sectores prioritários para a sustentabilidade, que são o agro-florestal e o ambiental.

I – Precisamos de coragem, vontade consciente e determinação para voltar a instituir um Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural que corporize políticas holísticas e agregadoras dos subsectores que são, pela sua natureza, interdependentes.

a) Há décadas começaram por ser dados subsídios aos pequenos e médios agricultores para deixarem de produzir e por isso milhares de hectares de solos ficaram ao abandono, aumentando o despovoamento do interior; seguiu-se a extinção dos Serviços de Extensão Rural que eram fundamentais para ajudar a dinamizar as comunidades rurais e ajudar os agricultores a optarem por novas culturas e novas tecnologias – valorizaram-se a agro-indústria e a indústria da celulose que têm meios para pagar aos seus próprios técnicos.

A política agrícola tem tido desde 1986 como referencial as explorações agrícolas de grande dimensão económica, cujo objectivo é o lucro. Têm reduzida expressão numérica: 4% do total detêm 47% da SAU (Superfície Agrícola Utilizada), contribuem com 66% para a formação do Valor de Produção Total (2019) e recebem a grande maioria dos apoios financeiros. Embora o Ministério da Agricultura considere que a estratégia política seguida tem sido um sucesso, relevando, em particular, o crescimento da produção agrícola e das exportações, o que se verificou entre 1986 e 2022, esquece que o Valor Acrescentado Bruto (VAB) diminuiu quer dizer, a riqueza em volume decresceu e que as importações são muito superiores às exportações.

A agricultura portuguesa tem tido um comportamento anómalo em comparação com o de outras agriculturas europeias: último lugar, entre 1995 e 2019, na evolução do VAB na UE15 e produtividade da terra muito inferior à obtida em Espanha e na Itália. É imperioso integrar a agricultura familiar no processo de desenvolvimento, pois representa 96% dos agricultores do país e 53% da SAU.

Os resultados acabados de apresentar não se devem à falta de fundos financeiros, mas às escolhas políticas do modelo de desenvolvimento, à grande empresa agrícola e ao pensamento único da economia da empresa agrícola, escolhas estas que consideram as explorações agrícolas familiares inviáveis economicamente, o que justifica que a agricultura familiar seja tratada como residual, apesar de representar 96% dos agricultores do continente e deter 53% da SAU.

b) Foram sendo desmanteladas as Direcções Regionais de Agricultura e as Estações Agrárias foram extintas e devem ser recuperadas. Entre outras funções essenciais da maior valia, elas desempenhavam a tarefa de experimentação agrícola, a qual foi pura e simplesmente abandonada, quando é essencial para conhecer novas culturas adaptadas regionalmente aos solos e às variações climáticas – as instalações ficaram ao abandono e o seu pessoal técnico disperso.

c) O solo e a água são recursos escassos sobretudo no sul do país e só medidas acertadas de gestão e conservação poderão fazer-nos sair do ciclo de degradação em que estamos envolvidos. Em vez de pomares de regadio numa agricultura intensiva necessitamos de culturas alimentares e forrageiras de que temos tantas carências e de pequenos e médios agricultores para povoarem o país, os quais têm de ser apoiados para desenvolverem uma agricultura técnica, económica e ecologicamente eficiente. A seca tem sido mais sentida no sul do país e a superfície regada no norte e centro diminuiu 234 mil hectares entre 1989 e 2016.

Foto
Barragem do Monte da Rocha, em Ourique, em Julho de 2023 Rui Gaudêncio

II – Os incêndios florestais tornaram-se numa realidade catastrófica que já entrou na normalidade, e arder menos agora significa que já existe pouco para ser pasto das chamas; são milhares e milhares de encostas e de serras desarborizadas que nunca foram reflorestadas depois dos incêndios. Embora a maior parte da área florestal seja de propriedade privada, o recurso florestal é um recurso nacional e o Estado tem de assumir a sua gestão, a sua defesa e a sua modernização. Para combater os fogos florestais não basta ter aviões e helicópteros prontos em Junho; é fundamental ter uma estrutura assente no território que ao longo de todo o ano faça a vigilância, a gestão e a reflorestação pública e/ou privada – como faziam, desde há mais de um século, os Serviços Florestais. Mas, além disso e não menos importante, há que encontrar uma forma de fazer conviver o minifúndio florestal com a necessidade da urgente reflorestação, com base em inovações institucionais e tecnológicas que respeitem a posse da terra. É preciso evitar que as pequenas parcelas sejam deixadas ao abandono e pasto das chamas, sem contribuírem para a riqueza nacional.

Em que país do mundo os últimos governos se inspiraram para este desmantelar do sector florestal?

Com a desumanização do meio rural, além do abandono a que foram votadas as serras pela ausência de técnicos florestais, os incêndios alem de se terem tornado devastadores são tão mais frequentes que a população já se habituou aos catastróficos piroverões (do grego pyros=fogo, incêndio) que temos.

III – O sector ambiental perdeu relevância.

a) O ambiente deixou de ser uma prioridade para lá das paragonas oficiais que não correspondem ao que se passa. Durante décadas, desde o início do regime democrático em Portugal, que a política de ambiente tinha lugar de relevo nas decisões dos governos; os princípios da conservação da natureza e do ordenamento do território constituíram a base da legislação que possibilitou que se evitasse a perda total da biodiversidade e do equilíbrio biofísico do território – a RAN (Reserva Agrícola Nacional), a REN (Reserva Ecológica Nacional), os PDM (Planos Directores Municipais), os PROT (Planos Regionais de Ordenamento do Território), o Sistema Nacional de Áreas Protegidas. Hoje o Ministério do Ambiente deixou de se preocupar com a Qualidade de Vida e limita-se a dar coberturas aos investimentos mesmo quando são lesivos do ambiente. Aqui também a Extensão Rural poderia desempenhar um papel de informação e consciencialização das comunidades rurais.

b) É preciso coragem, convicções e determinação para voltar a criar um Ministério do Ambiente que coordene efectivamente a Conservação da Natureza, e seus recursos, e o Ordenamento do Território.

c) Todos os pretextos produtivistas têm servido para sacrificar os valores ambientais, da biodiversidade e da qualidade de vida, usando falsos argumentos como o da “imprescindível relevância pública”, que autorizam por exemplo o abate de milhares de sobreiros, azinheiras e outras espécies para implantar painéis solares ou torres eólicas. Ora só um correcto ordenamento do território pode estabelecer as melhores áreas para todos os usos sem sacrificar os valores essenciais da sustentabilidade dos ecossistemas.

d) As áreas protegidas, como os parques naturais e as reservas naturais, precisam de voltar a ter a sua organização inicial com um director (como em todos os países do mundo!), que é o responsável pela aplicação da política nacional de ambiente, e o seu conselho geral onde estão todas as autarquias (municípios e juntas de freguesia) para aplicarem regional e localmente as decisões acertadas para cada lugar de acordo com o seu genius locci (espírito do lugar). É urgente recuperar a dimensão nacional do ICN!

Aqui fica uma súmula do muito que se poderá escrever como prioridades de uma governação que atente no futuro a médio e longo prazo do nosso país, esperando que dos céus desça um raio de sabedoria e honestidade sobre as cabeças dos políticos que vão pensar e decidir o país, depois de 10 de Março.

Os signatários são profissionais com longas carreiras ao serviço das causas públicas:

Álvaro Soares de Melo, engenheiro agrónomo; Agostinho Carvalho, engenheiro agrónomo; Dario Reimão, engenheiro silvicultor, investigador florestal; Fernando Santos Pessoa, engenheiro silvicultor e arquitecto paisagista; José Marques Moreira, engenheiro agrónomo e arquitecto paisagista; Jorge Paiva, biólogo; Manuel Dias Nogueira, engenheiro agrónomo.

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