Laurent de Brunhoff (1925-1924), o ilustrador que celebrizou o elefante Babar

O escritor e ilustrador francês morreu esta sexta-feira na sequência de um AVC. Apesar do sucesso, Babar foi uma personagem controversa, considerada por muitos uma alegoria do colonialismo.

Foto
Laurent de Brunhoff: o filho continuou as aventuras do pai, Jean de Brunhoff, também ele ilustrador Dick Loek/Toronto Star/ Getty Images
Ouça este artigo
00:00
05:02

Laurent de Brunhoff, escritor e ilustrador francês dos célebres livros infantis Babar, O Rei dos Elefantes, morreu no dia 22 de Março na sua casa na Florida, Estados Unidos, na sequência de um acidente vascular cerebral (AVC). Tinha 98 anos. A sua mulher, Phyllis Rose, informou que o artista estava sob cuidados paliativos há duas semanas.

Laurent de Brunhoff deu continuidade à personagem criada em 1930 pelos seus pais, Jean e Cécile de Brunhoff o pai era ilustrador e pintor, a mãe pianista. Babar nasceu numa noite em que Cécile inventou uma história para ajudar a adormecer os filhos, contando-lhes a aventura de um elefante que foge para a cidade após a mãe ter sido morta por um caçador.

Em Paris, Babar é acolhido por uma mulher rica, denominada como “Velha Senhora”, que o introduziu aos luxos da vida moderna burguesa. Compra um fato verde e um carro, toma banhos de imersão, recebe lições de aritmética e outras disciplinas. Quando regressa à selva, os restantes elefantes, impressionados com a modernidade e a educação de Babar, decidem coroá-lo rei.

“E eu e o meu irmão adorámos a história. Fomos ao estúdio do meu pai e contámos-lhe. Ele começou a fazer um livro para nós. Depois do primeiro livro, fez outro e mais outro. E acho que se descobriu a si próprio”, contou Laurent de Brunhoff numa entrevista à CNN, em 2003. Em 1931, a editora Le Jardin des Modes publica o livro A História de Babar, o Pequeno Elefante. Foi o início daquilo que se viria a tornar um império de livros, filmes de animação, séries de televisão, jogos, roupa e snacks inspirados na personagem infantil.

Jean de Brunhoff morreu de tuberculose em 1937, quando Laurent tinha apenas 12 anos. Aos 21, o artista resgatou a criação do pai e fez dela protagonista de dezenas de livros, introduzindo novas personagens e histórias. Tornou-se um fenómeno global. Entre os fãs de Babar encontravam-se o general e político francês Charles de Gaulle (1890-1970) e o americano Maurice Sendak (1928-2012), considerado um dos mais importantes escritores e ilustradores de livros para crianças do século XX, autor de Onde Vivem os Monstros.

Com Laurent de Brunhoff, Babar viajava pelo mundo com a sua família, aprendia a cozinhar, praticava ioga, conhecia extraterrestres. O primeiro livro de Laurent foi O Primo de Babar: o Patife Artur, publicado em 1946, e o último, Guia de Paris por Babar, saiu em 2017.

Racismo, elitismo, sexismo

Apesar do sucesso, Babar foi uma personagem controversa. Para a romancista Alison Lurie, vencedora do Prémio Pulitzer em 1985, a personagem representa “os valores da burguesia francesa próspera, instruída e cultivada”. Laurent de Brunhoff foi também acusado, várias vezes, de promover uma alegoria do colonialismo francês e uma visão distorcida da história. Por seu lado, na década de 1980, o autor chileno Ariel Dorfman afirmou que a história de Babar representa a “concretização do sonho colonial dos países dominantes”.

“Babar leva o progresso para a selva sem perturbar o equilíbrio ecológico, porque Jean de Brunhoff omite toda a pilhagem, racismo, subdesenvolvimento e miséria da relação entre os dois mundos”, escreveu Dorfman no livro The Empire’s Old Clothes: What the Lone Ranger, Babar, and Other Innocent Heroes Do to Our Minds. Já o sociólogo Herbert Kohl escreveu o ensaio Deveremos Queimar o Babar?, em que argumentava que o reino do elefante era dominado pelo racismo, pelo sexismo e pelo elitismo.

Segundo o jornal americano The New York Times, duas das primeiras obras da série “foram particularmente ofensivas”: As Viagens de Babar (1934), de Jean de Brunhoff, e O Piquenique de Babar (1949), de Laurent de Brunhoff, nas quais se caricaturava pessoas africanas como “selvagens”. No final de 1960, quando a escritora afro-americana Toni Morrison — na altura uma jovem editora na Random House, que publicava as histórias de Babar — se posicionou contra as imagens e as narrativas racistas de O Piquenique de Babar, Laurent de Brunhoff “certificou-se que as eliminaria”, recorda o The New York Times.

Se houve alturas em que o autor francês afirmou ser “ridículo insistir que Babar representa o mundo colonial”, pois algumas das suas histórias foram escritas “num contexto em que a França era uma potência colonial”, em 2014, segundo a CNN, o autor pareceu a aceitar a ideia de que a série perpetuava mitos sobre a colonização francesa.

“É um pouco embaraçoso ver Babar a lutar com pessoas negras em África”, disse numa entrevista à revista National Geographic. “O meu segundo livro, O Piquenique de Babar, também foi inspirado no desenho do meu pai. Alguns anos mais tarde, senti-me envergonhado com este livro e pedi à editora para o retirar.”

Com a morte de Laurent de Brunhoff, Babar desaparecerá, muito provavelmente, com o seu autor. O próprio já o havia admitido. “Babar irá morrer comigo a não ser que o meu filho queira continuar a aventura. E ele sempre me disse que não.”

Sugerir correcção
Ler 4 comentários