Carne de cobra pode ser solução para evitar fome em países cada vez mais áridos

A criação de cobras pitão pode garantir, sobretudo às zonas mais áridas do planeta, uma fonte de proteína mais sustentável do que a que oferecem hoje a avicultura e a pecuária bovina, sugere estudo.

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Os cientistas avaliaram a taxa de crescimento de mais de 4600 indivíduos de duas espécies de pitão em viveiros na Tailândia e no Vietname DR
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A criação de cobras pitão pode garantir, sobretudo às zonas mais áridas do planeta, uma fonte de proteína mais sustentável do que a que oferecem hoje a avicultura e a pecuária bovina. Esta é a principal conclusão de um estudo publicado quinta-feira na revista Scientific Reports.

“Vivemos num mundo que está a enfrentar inúmeros desafios [climáticos]. Está na hora de começarmos a ter esta conversa sobre como será a alimentação do futuro em áreas muito quentes e onde a água escasseia. Há decisões radicais que vamos ter de tomar, e talvez tenhamos de incluir répteis na lista de animais que comemos”, explica ao PÚBLICO o co-autor Patrick Aust.

Para os leitores que já estão a fazer cara de nojo ao ler esta notícia, o cientista recorda que ele próprio, um herpetólogo apaixonado por cobras, só avança com esta proposta porque a crise climática já é uma realidade. Com a redução dos reservatórios de água doce em geografias tropicais, será cada vez mais difícil garantir uma agricultura bem-sucedida e, como consequência, a segurança alimentar das populações.

Espécies como a cobra pitão-reticulada, uma das maiores do mundo, podem oferecer uma maior quantidade de proteína exigindo menos água e cuidados, sugere o artigo da Scientific Reports, uma revista do grupo Nature. Trata-se de animais de sangue frio (logo, gastam menos energia), capazes de sobreviver meses sem alimentos (o que garante resiliência perante fenómenos climáticos extremos). São simultaneamente portentosos, capazes de assegurar uma quantidade significativa de carne quando abatidos.

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Viveiro de cobras no Vietname Daniel Natusch/DR

“Precisamos de alternativas”

O objectivo dos autores não é convencer todas as pessoas a comerem cobra, mas incluir esta opção agrícola na lista de soluções possíveis para combater a fome em certas geografias.

“Esta proposta não é uma solução para todas as nossas necessidades proteicas e, é certo, não vai funcionar em todo o mundo. Mas pode dar certo em algumas partes, sobretudo nas zonas tropicais, onde o consumo de répteis não é uma novidade histórica. Trata-se de uma norma cultural, da mesma forma que porcos e frangos são comuns na Europa”, esclarece Patrick Aust, numa videoconferência a partir do Botswana.

O cientista recorda que, onde está a viver, as pessoas estão a enfrentar uma das piores secas das últimas décadas. “Estamos a viver num ambiente que está há muito tempo cada vez mais quente e seco. Vemos recordes quase todas as semanas. Encontro-me com pessoas na rua que me dizem: “As minhas galinhas estão literalmente a morrer. A água subterrânea está a acabar.” Isto quer dizer que precisamos de alternativas, de transformações nos nossos sistemas agro-alimentares. É uma questão de sobrevivência”, alerta Patrick Aust.

Os cientistas avaliaram a taxa de crescimento de mais de 4600 indivíduos de duas espécies de cobra pitão (Malayopython reticulatus e Python bivittatus) em viveiros na Tailândia e no Vietname, onde é comum o cultivo destes animais para a extracção de pele para bolsas e sapatos. Para avaliar a eficiência da produção de carne de cobra, os autores analisaram a taxa de crescimento de cobras em jejum e com alimentação (nunca os animais foram forçados a comer, refere o estudo).

Os resultados mostram que as cobras pitão cresceram rapidamente ao longo de um ano, sendo que as fêmeas cresceram mais rapidamente do que os machos. A ingestão alimentar e as taxas de crescimento no início da vida são “fortes indicadores do crescimento total ao longo da vida, com incrementos diários de massa variando de 0,24 a 19,7 gramas para M. reticulatus e 0,24 a 42,6 gramas para P. bivittatus, dependendo da ingestão de alimentos”, lê-se no estudo.

Em termos de taxas de conversão de alimentos em proteínas (ou seja, quanta comida é investida para produzir uma certa quantidade de carne), os animais estudados superam todas as principais espécies agrícolas avaliadas até ao momento na literatura científica. Os autores testaram diferentes combinações de fontes de proteína (incluindo frango, restos de carne de porco, roedores e farinha de peixe) e concluíram que, para cada 4,1 gramas de alimento consumido, um grama de proteína de carne de pitão poderia ser obtido para consumo humano.

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