Invernos mais quentes podem ameaçar a qualidade da água do planeta

À medida que a crise climática abre caminho para Invernos mais quentes e chuvosos, a poluição causada por fósforo e o azoto coloca em risco 40% do território dos Estados Unidos. Um sinal de alarme que também deve preocupar a Europa.

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O estudo foca-se nos EUA, mas contém uma advertência global: na foto neve em Menzingen, na Suíça ARND WIEGMANN/Reuters

Quando se fala em nutrientes, é comum pensarmos em algo positivo, saudável. Contudo, se os elementos que tornam o solo fértil – como o fósforo e o azoto – são excessivos ou escoam para as águas, os nutrientes tornam-se agentes poluidores e constituem uma ameaça.

Um estudo publicado na revista científica Environmental Research Letters revela que, à medida que a crise climática abre caminho para Invernos mais quentes, a poluição causada por nutrientes coloca em risco 40% do território dos Estados Unidos (EUA). Um sinal de alarme que também deve preocupar a Europa.

Com a mudança do clima, nutrientes que antes estavam congelados em solos agrícolas são escoados para rios, ribeiros e lagos. O aumento da temperatura e das chuvas invernais está a libertar grandes quantidades de fósforo e azoto que estavam “aprisionadas” na neve.

“Em áreas sazonalmente cobertas de neve, acreditava-se que o Inverno fosse um período inerte – ou seja, a poluição por nutrientes era bloqueada na neve e nos solos frios. Mas isso está a mudar muito rapidamente”, explica ao PÚBLICO a investigadora Carol Adair, co-autora do estudo e directora do Laboratório de Ciências Florestais da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos.

Apresentado como o primeiro estudo nacional sobre esta matéria, o artigo científico mostra como este fenómeno, agora agravado pela crise climática, está a colocar em risco a qualidade da água em mais de 40 estados norte-americanos.

“Vemos mais inundações no Inverno causadas pela chuva e pela neve que derrete. Estas inundações estão a carregar nutrientes e erodir os solos. No entanto, não sabemos quanta poluição está a ser transportada, para onde vai e quais são os impactos a jusante. As inundações invernais estão a tornar-se cada vez mais comuns, então precisamos compreender melhor [este fenómeno]”, afirma Adair, numa resposta por e-mail.

A poluição por nutrientes é um fenómeno natural que afecta a qualidade da água há décadas. Elementos químicos presentes em fertilizantes, no estrume e na ração animal são escoados para os cursos ou reservatórios de água, podendo tornar o líquido turvo e alterar a sua microbiologia. O que é novo aqui é o facto de a poluição por nutrientes se tornar uma preocupação durante os meses mais frios do ano.

Com Invernos mais quentes e chuvosos, o fósforo e o azoto são libertados demasiadamente cedo. Como grande parte da vegetação se encontra “adormecida”, as plantas não estão tão disponíveis para absorver o excesso de nutrientes – ao contrário do que poderia acontecer se entrassem em contacto com estes elementos químicos na Primavera.

Carol Adair afirma que, durante o Inverno, é agora comum ver quantidades maiores de água turva, com sedimentos, a “viajar” pelas bacias hidrográficas dos EUA. E daí o sinal de alarme que os investigadores que elaboraram o estudo – oriundos não só de Vermont, mas também das Universidades do Colorado, Kansas e Michigan – fizeram soar com a publicação na Environmental Research Letters.

O cenário ambiental provocado pela poluição por nutrientes durante o Inverno deve deixar-nos inquietos. Esta ameaça pode causar problemas significativos para as pessoas e os ecossistemas, causando desde a multiplicação desregulada de algas até ambientes aquáticas estéreis – as chamadas “zonas mortas” – onde os peixes não conseguem sobreviver. Nadar num rio afectado por excesso de nutrientes pode até tornar-se um desporto perigoso, refere o comunicado de imprensa.

As zonas mortas ocorrem quando microrganismos que adoram nutrientes se multiplicam demasiado, criando um desequilíbrio naquele ecossistema. À medida que estas formas de vida dominam aquela zona aquática, removem muito oxigénio da água e tornam o ambiente inviável para peixes e outros seres vivos que nele habitam.

Um problema só dos EUA?

O estudo foca-se no território norte-americano, mas, segundo Carol Adair, contém uma advertência para todo o planeta. “Embora nos concentremos nos EUA, a poluição por nutrientes do Inverno provavelmente tem um impacto global. Cerca de 60% da superfície da Terra tem neve intermitente, sazonal e permanente, sendo que as áreas afectadas pelo escoamento do degelo abrangem grande parte da população mundial”, refere a cientista.

“Os impactos das mudanças climáticas no Inverno são muitas vezes esquecidos”, disse a co-autora Aimee Classen, investigadora na Universidade do Michigan. “Se nos preocupamos com a qualidade da nossa água, não podemos continuar a ignorar como as mudanças climáticas afectam a precipitação durante o Inverno”, afirma numa nota à imprensa.

Carol Adair sublinha que estamos diante de “um grande problema” que devemos tentar “resolver com urgência”. “Os Invernos mudaram, e estão a mudar em todos os lugares. Então, torna-se importante compreender como isto afecta a poluição por nutrientes e a qualidade da água em todo o planeta”, alerta.