Encarar o azoto como problema ambiental

O azoto é, actualmente, um problema para o ambiente, global, multidimensional, que não pode ser ignorado.

A sustentabilidade da humanidade depende, fundamentalmente, de nutrientes, na sua maioria presentes no solo e assimilados pelas plantas. Num mundo com sete mil milhões de habitantes, compreende-se que o aumento contínuo da população mundial tenha estado, e esteja, dependente da fertilização dos solos, para assegurar a produção de alimento. Esta necessidade tem provocado uma alteração profunda no ciclo global do azoto, causando graves problemas ambientais, económicos e de saúde pública.

Não é apenas um problema de excesso de emissões de CO2 ou de produção de energia que cria impactos negativos. O azoto é, actualmente, um problema para o ambiente, global, multidimensional, que não pode ser ignorado. E se não forem tomadas medidas de minimização, o aumento da população, da energia e de produtos alimentares per capita provoca perdas de nutrientes, níveis elevados de poluição, degradação de solo, má qualidade de água, solo e ar, que afectam o clima, a biodiversidade e a qualidade de vida urbana. Infelizmente, este é um assunto que tem merecido pouca atenção por parte dos governantes e da comunicação social e para o qual a sociedade tem pouca sensibilidade.

As acções requerem a interacção de diferentes sectores, desde económicos a científicos, que partilhem boas práticas e acções concretas para quebrar barreiras culturais, sociais e económicas que limitam a sua acção. Daí a necessidade de se criar um sistema internacional de gestão do azoto. A exequibilidade prática e financeira de um sistema desta natureza foi discutida em Lisboa, de 27 a 30 de Abril, nas instalações do Ministério do Ambiente. A reunião acolheu 100 especialistas de 39 países, representantes de todos os continentes, para analisar as emissões de azoto em cada país, seus excessos e fontes de poluição, ou mesmo a sua falta, que afecta, em certas partes do mundo, a produção de alimentos. De entre os especialistas contavam-se representantes de diferentes universidades, companhias e empresas de fertilizantes, instituições das Nações Unidas ligadas à economia e ao ambiente (UNECE e UNEP), da FAO, da Organização Mundial da Saúde e da Meteorologia (WHO, WMO), que apresentaram as suas visões e problemas regionais sobre os custos e benefícios que a utilização do azoto traz para a humanidade.

Esta iniciativa de criar um sistema internacional de gestão do azoto procura realçar a necessidade de ter em conta uma análise global, avaliando as especificidades e realidades regionais e procurando realçar as oportunidades e barreiras que localmente se levantam. O presente desafio é o de estabelecer uma ligação entre as diferentes fontes de emissão, as diferentes formas de azoto emitidas e desenvolver um modelo integrado de distribuição espacial a nível internacional. Esta iniciativa partiu dos cientistas e pretende desenvolver-se através de parcerias financiadas pelo programa de ambiente global (Global Environment Facility, GEF) que suporta projectos e iniciativas ligadas ao desenvolvimento sustentável. O objectivo é fornecer mensagens simples e objectivas, fundamentadas pela ciência e apoiadas por organismos internacionais ou organizações mundiais, que apoiem e suportem o desenvolvimento de políticas que levem à redução dos impactos negativos a nível global. Os especialistas europeus, já em 2011, calcularam em 320 milhões de euros por ano o custo associado à poluição de azoto na Europa. Uma vez que as principais fontes de emissão são a agricultura e os combustíveis fósseis, foi proposta a redução das emissões em 20% até 2020. Isto significa aumentar a eficiência agrícola — já que mais de 50% do fertilizante adicionado se perde para o ambiente  e avaliar hábitos alimentares. Mas, para além da Europa, há que contabilizar as emissões do ponto de vista global com vista ao estabelecimento de um sistema internacional de gestão de emissões. É o que se pretende com esta iniciativa.

Para Portugal, esta foi uma oportunidade quase perdida, já que nem técnicos do Ministério da Agricultura, do do Ambiente ou da Agência Portuguesa do Ambiente, estiveram presentes. Apenas cientistas da Universidade de Lisboa. É tempo de encarar o azoto como problema global e abordá-lo de forma multidimensional, envolvendo cientistas, governantes dispostos a legislar, técnicos competentes para monitorizar e jornalistas atentos para comunicar. Urge, pois, desenvolver uma nitrocidadania local (vide PÚBLICO de 17 de Dezembro de 2014) para minimizar os impactos globais provocados pela necessidade de alimentar a crescente população mundial. 

Professora catedrática da Universidade de Lisboa

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