O triângulo do ouro congolês: Uganda-Brasil-Bélgica

Os Goetz, que criaram no Uganda a segunda maior refinaria da África subsariana para tratar o ouro contrabandeado do Congo, está por trás da construção da maior refinaria do Brasil, em plena Amazónia.

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Alain Goezt e o irmão, Sylvain, foram condenados em 2020 pela Justiça belga pelo comércio ilegal de ouro Baz Ratner/REUTERS
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O contrabando de ouro do Leste da República Democrática do Congo é um crime à luz do dia, que movimenta muitos milhões de euros e financia inclusive parte substancial do Orçamento do Estado de dois países limítrofes, o Ruanda e o Uganda. A tal ponto é lucrativo o negócio que o Presidente ugandês, Yoweri Museveni, não se importou de se associar em 2015 com um personagem controverso como Alain Goetz para patrocinar a criação da segunda maior refinaria de ouro da África subsariana, a African Gold Refinery (AGR), em Entebbe, a antiga capital do país e principal mercado aurífero da região dos Grandes Lagos.

Alain Goetz, conhecido magnata do ouro, na altura já investigado por agências internacionais pelo lado obscuro dos seus negócios, nomeadamente o facto de comercializar minerais provenientes de zonas de conflito, envolvera-se em disputas amargas com alguns membros influentes da elite ugandesa, incluindo um familiar do próprio irmão do chefe de Estado, o general Calbe Akandwanaho, também conhecido por Salim Saleh.

Desde que a AGR começou a funcionar que as exportações de ouro do Uganda aumentaram substancialmente, antes de caírem a pique em 2022 (80%) por causa das sanções impostas a Alain Goetz pelos Estados Unidos (que incluiu o congelamento dos seus bens e a ameaça de processos criminais às empresas norte-americanas que comercializem com ele), passando de 1000 milhões de dólares em 2021 para 201 milhões um ano depois.

Alain Goetz e o irmão Sylvain, herdeiros de Tony Goetz que começou o negócio como diamantífero em 1962 antes de nos anos 1980 se voltar para o sector aurífero, foram condenados em 2020 na Bélgica por lavagem de dinheiro e fraude. Criaram um mercado ilegal de comércio de ouro – a Justiça belga decretou o confisco de 3,2 milhões de euros das contas da empresa Tony Goetz NV que tinha entre os seus clientes a Tesla, a Amazon, a Dell e Starbucks (para evitar problemas legais, centenas de empresas informaram a Securities Exchange Comission dos EUA que ouro refinado pela Tony Goetz terá sido incorporado nos seus produtos). Em Abril de 2023, os irmãos tiveram de pagar ao fisco belga 558 milhões de euros.

Os problemas legais dos dois irmãos também afectaram o investimento numa megarefinaria no estado brasileiro do Pará, em plena Amazónia, quando o Intercept Brasil e a Repórter Brasil noticiaram que Sylvain Goetz estava entre os principais investidores da North Star, que está a ser construída naquela região. Quando estiver pronta, a North Star, nas margens da baía do Guajará, poderá refinar 50 toneladas de ouro anuais, o que a tornará na maior do Brasil.

Aliás, não se trata apenas de Sylvain, que tem quase 15% do projecto. Entre os outros investidores figura uma empresa baseada no paraíso fiscal das Bahamas ligada à Tony Goetz NV, antigo nome da empresa familiar que, depois do processo judicial, os irmãos rebaptizaram como Industrial Refining Corporation (IGF).

Se a isso juntarmos o facto de Alain estar ligado a outra empresa associada com a refinaria, a 24 Gold, com sede no Dubai, que tem 35% da North Star, percebemos que afinal se trata de um investimento familiar. Se fosse preciso ainda juntar outro facto para chegar a essa conclusão, bastava acrescentar que o responsável pela empresa no Brasil é filho de Alain.

A racionalidade do investimento na refinaria do Amazonas explica-se facilmente. A Bélgica está entre os maiores compradores de ouro do Brasil e, de 2015 e 2020, um dos principais compradores desse ouro foi a maior refinaria belga, a Tony Goetz NV (agora IGF). De acordo com um estudo do Instituto Escolhas, em 2020, 94% do ouro exportado pelo estado do Amazonas não tinha registo legal e um dos seus principais destinos é precisamente a Bélgica.

A falta de controlo no Brasil torna-se, pois, apetecível, para quem pretenda, por exemplo, introduzir o ouro proveniente das zonas de conflito da RDC no circuito normal. Como dizia o director executivo do Instituto Escolhas ao jornal online Amazonas Actual, os mecanismos existentes para garantir a legalidade são facilmente contornáveis. "Se eu chegar com um quilo de ouro num posto desse localizado em qualquer lugar do Brasil e atestar por minha própria declaração a legalidade daquele ouro, ele está casado, baptizado e validado e daí ele pode andar pelo país inteiro", afirmou Sérgio Leitão.

Entre os sócios brasileiros da North Star está uma empresa que foi acusada pelo Ministério Público Federal brasileiro de comprar mais de uma tonelada de uma tonelada de ouro irregular, além de uma outra, a Omex, que é controlada pela família de Roselito Soares, antigo presidente da câmara de Itaituba, cidade do Pará que é o principal polo garimpeiro do país.

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