Do fim das propinas aos vouchers para habitação: as propostas dos partidos para o ensino superior

Das propinas ao modelo de acesso, eis algumas medidas propostas pelos partidos para melhorar o ensino superior.

Foto
O que propõem os partidos para o ensino superior? Manuel Roberto

Da direita à esquerda, todos concordam que é necessário rever o Regime Jurídico do Ensino Superior (RJIES), que entrou em vigor em 2008 e cuja revisão estava prevista — mas acabou por ser interrompida com a demissão do Governo. Os partidos estão relativamente alinhados quando pedem uma gestão mais democrática das instituições do ensino superior, o fim da precariedade laboral e o subfinanciamento do sector.

Nos modelos de acesso, a esquerda quer o fim dos exames, a direita quer que as instituições tenham mais poder decisão sobre quem entra. Do fim das propinas aos vouchers, há propostas para manter os estudantes no ensino superior, sem esquecer de um grande entrave: o alojamento. E há também quem esteja a olhar para os mais velhos, porque não só os jovens podem ser estudantes.

Com eleições marcadas para 10 de Março, olhamos para os programas eleitorais e reunimos algumas medidas dos partidos para o ensino superior. Mas alertamos: este resumo não dispensa a leitura integral dos programas.

PS

Reforçar o número de bolsas de estudos e complementos até 100 mil bolseiros, reforçar o Fundo de Acção Social, criação de um mecanismo “o que assegure condições de frequência do Ensino Superior e de conclusão dos ciclos de estudos para estudantes carenciados” e comparticipação nos custos dos mestrados e doutoramentos: estas são algumas das propostas do PS para o ensino superior.

Os socialistas querem reforçar a autonomia financeira das instituições de ensino superior, reforçar o número de alunos e estimular a “diversificação de acesso ao ensino superior”, e captar novos candidatos, como os que pertencem a “gerações em que as oportunidades de acesso eram menores”. Para isso, o PS quer discutir com as instituições de ensino superior um programa de alargamento das vagas para alunos mais velhos.

Também defendem a eliminação das taxas e emolumentos para conclusão dos mestrados e doutoramentos, assim como o reforço da acção social para “os territórios de baixa densidade”: as bolsas +Superior devem, por isso, ser fortalecidas, “apoiando o transporte semanal pendular dos estudantes deslocados, criando condições equiparadas aos passes sociais das áreas metropolitanas”.

“Estimular as ofertas internacionais e a entrada de estudantes nacionais” é outra das medidas propostas pelo PS, que defende que deve ser dada a estes alunos, nomeadamente alunos dos países de língua oficial portuguesa, a possibilidade de trabalhar legalmente no país.

Quanto à investigação, o PS quer “reforçar a estratégia de internacionalização científica, de forma a assegurar a efectiva participação de Portugal no Espaço Europeu de Investigação” e aproximar os sistemas do ensino superior e da ciência através da “dotação permanente para o financiamento de mil lugares de investigador de carreira nas instituições de Ensino Superior”.

No que toca ao alojamento, o PS quer “garantir a plena execução do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior”, e chegar às 30 mil camas de oferta pública em 2028. Propõe ainda “alargar o apoio ao alojamento estudantil para estudantes deslocados”.

Aliança Democrática (PSD, CDS, PPM)

Para a Aliança Democrática é necessário generalizar o acesso às formações superiores e diversificar a base de captação de candidatos. A coligação de direita quer aproximar o valor de 3% do PIB de investimento público e privado em Ciência e Inovação até 2030, e alargar “a abrangência social” e a “extensão territorial” da cobertura do ensino superior.

A AD defende que as instituições de ensino superior devem ser encorajadas a “desenvolver uma cultura de mérito” e que deve ser feita uma articulação dos subsistemas universitário e politécnico, seguindo os princípios “de complementaridade e não de concorrência”. Nos politécnicos, deve ser reforçado “o investimento em investigação”, através dos “programas de doutoramento (...) como instrumento de aproximação das instituições do ensino superior ao tecido empresarial”.

A aproximação das empresas às instituições de ensino superior é um dos objectivos da AD, que quer “encorajar a participação de representantes do sector empresarial nos conselhos consultivos”, avaliar o reforço dos incentivos fiscais para empresas que investem em programas de Investigação e Desenvolvimento (I&D) e “potenciar o regime de mecenato às instituições de ensino superior públicas”.

Ainda no tema da proximidade às empresas, a Aliança Democrática propõe criar condições para “a circulação de investigadores entre o sector académico e empresarial, e para a sua mobilidade geográfica”, o desenvolvimento de um programa que “estimule a contratação de doutorados pelas empresas” e o encorajamento à “investigação científica e a inovação no e com o sector empresarial, adoptando um programa de estímulos”.

Quanto aos apoios aos alunos, a AD refere que os programas de bolsas de estudos e apoios financeiros devem ser “adequados e reforçados”, tendo em conta a “real situação socioeconómica dos estudantes”.

Dentro das instituições, propõe que sejam reforçados os serviços de apoio psicológico e saúde mental, sendo protocolada com privados a criação de creches e centros de saúde nas instituições de ensino superior.

O estímulo à inscrição de alunos em regiões com menor densidade populacional é outra das preocupações da AD, que defende o reforço do programa Erasmus+ Interior.

Relativamente ao alojamento estudantil, a AD quer, no prazo da legislatura, em articulação com o privado, “a duplicação” da oferta de camas de residências estudantis. Propõe a construção de novas residências, com recurso a verbas do Plano de Recuperação e Resiliência e o PT 2030, e a recuperação de edifícios devolutos do Estado para este efeito. Defende ainda a contratualização de construção de residências com “autarquias locais, instituições sociais e investidores privados”, bem como residências privadas.

Para a AD, a solução passa também por “estimular e alargar” as “redes de apoio a idosos que recebem estudantes deslocados nas suas casas”.

Chega

O Chega quer aplicar em Portugal o modelo britânico, que “isenta os jovens do pagamento” da educação superior “no período de frequência”, “sendo expectável a devolução do empréstimo ao Estado de forma faseada, após a inserção no mercado de trabalho de forma estável”.

O partido defende a realização de uma avaliação do “número de instituições e cursos existentes em Portugal”, bem como do número de alunos e saídas profissionais de cada curso. Quer “combater o subfinanciamento crónico nas instituições”, considerando que, para isso, cada universidade, politécnico ou instituto deve “elaborar e cumprir, no decurso da próxima legislatura, o seu próprio plano de reequilíbrio estrutural em termos de gestão de recursos humanos e financeiros”.

Propõe também acabar com as taxas de admissão e emolumentos das provas de doutoramento e “isentar do pagamento de propinas alunos a frequentar estágios profissionais obrigatórios em cursos do ensino superior”.

O partido defende a existência de canais de denúncia e a implementação de “medidas de combate ao assédio moral e sexual em contexto escolar e universitário”.

Quanto ao alojamento, o Chega quer uma “revisão e execução do Plano Nacional do Alojamento Estudantil para garantir o aumento de camas, a curto prazo” e aplicar a taxa autónoma de 10% aos “rendimentos provenientes de rendas de contratos estabelecidos com alunos do ensino superior”.

Iniciativa Liberal

A Iniciativa Liberal pretende “dar maior autonomia às universidades e politécnicos” na admissão e selecção de alunos, complementando as notas dos exames e do fim de ciclo com testes de aptidão, vocacionais, de motivação ou recomendação, de forma a avaliar “as motivações” e o “empenho” de cada aluno.

Para o partido, é importante “estimular a oferta educativa” e dar “mais liberdade administrativa”. A Iniciativa Liberal acredita que é necessária uma “maior ligação entre a educação e o mundo empresarial” e, por isso, defende que as escolas de negócios “devem poder ser mais autónomas e ter requisitos mais flexíveis”, por estarem “mais próximas das necessidades da economia real e das empresas”.

A IL propõe que o financiamento do Estado siga critérios baseados no crescimento das instituições, como a evolução do número de alunos, “incentivando a inovação e competitividade”.

Para a Iniciativa Liberal, “modelos assentes em reembolso dos custos da frequência do ensino superior depois do início da vida profissional são completamente inviáveis actualmente, uma vez que constituiriam um agravamento” das condições de vida dos jovens no país.

Os liberais acreditam que deve existir um contrato entre Estado e instituições de ensino superior, para que haja “previsibilidade e justiça no financiamento às universidades e politécnicos”.

Quanto ao alojamento estudantil, a Iniciativa Liberal acredita que “é preciso estimular a oferta” para responder ao problema da falta de camas. Para isso, considera necessário “aumentar a celeridade dos licenciamentos” e criar lógicas de parcerias público-privadas, onde “os privados constroem e operam” os terrenos detidos pelas instituições de ensino superior.

A solução da Iniciativa Liberal para “garantir que ninguém fica para trás” por falta de dinheiro é a alteração de regras de acesso e candidatura às bolsas, de forma a “abrangerem uma maior fatia dos estudantes”, e criar uma “lógica de voucher que o estudante pode usar onde quiser (residências ou habitação informal/particular/social)”.

PCP

O Partido Comunista quer eliminar “desequilíbrios e injustiças” no ensino superior, e defende, para isso, acabar com os exames nacionais, com as propinas, taxas e emolumentos para todos os graus académicos, bem como reforçar a Acção Social Escolar, quer através do aumento do valor das bolsas de estudo e de estudantes elegíveis, quer do “reforço do complemento de alojamento”.

Para o partido, deve ser feita uma redução progressiva de numerus clausus, da “excessiva carga horária do Ensino Profissional” e deve ser aplicada uma nova Lei de Bases do Financiamento, que inclua também a componente Investigação e Desenvolvimento, de forma a “inverter o subfinanciamento” do ensino superior.

O PCP quer ainda combater a precariedade, integrando “falsos docentes convidados e docentes com outros vínculos precários”, que, defende, “respondem a necessidades permanentes”. Os comunistas querem também garantir o direito à “promoção e progressão” e “resolver injustiças criadas com a aplicação de mecanismos de avaliação/progressão desiguais”, que consideram “construídos para reduzir as progressões”.

No Ensino Superior Particular e Cooperativo, o partido propõe a regulação da contratação e carreiras dos docentes e investigadores, de forma a combater “a precariedade e outros abusos”.

No que toca à investigação, quer definir uma política de Ciência e Tecnologia que “atenda às necessidades e especificidades da economia nacional” e que “garanta um financiamento base, estrutural e de desenvolvimento” que não seja dependente de “concursos competitivos”.

O PCP defende também a criação de um Fundo para a Inovação Tecnológica, financiado pelas empresas “na proporção de 1% do respectivo Valor Acrescentado Bruto acima de cinco milhões de euros de volume de negócios anual, com co-gestão e co-financiamento públicos” e revogar o Estatuto do Bolseiro, substituindo estes contratos por contratos de trabalho, com “valorização salarial e integração progressiva nas carreiras”.

O PCP quer criar um programa de residências universitárias, “com construção a custos controlados” e de acesso gratuito. E propõe a “construção, renovação e adaptação de residências públicas e cantinas”.

Bloco de Esquerda

O Bloco de Esquerda defende que é necessário um “novo modelo de acesso” ao ensino superior, que deve ser “universal e gratuito”. Para isso, propõe quatro medidas-chave: a eliminação das propinas na licenciatura, Cursos Técnicos Superiores Profissionais e mestrados integrados; transportes gratuitos até aos 25 anos; alojamento estudantil público para os estudantes deslocados; e alargamento do número de alunos com bolsa e aumento do valor das mesmas.

Os bloquistas acreditam que é necessário o fim dos exames nacionais, dos numerus clausus e que são precisos “novos instrumentos de aferição de conhecimentos e competências”. A par disto, propõem também a criação de um contingente especial para candidatos das comunidades racializadas.

Quanto ao dinheiro que sai do bolso dos estudantes, além da eliminação das propinas na licenciatura, o BE quer que também no mestrado e doutoramento o valor seja reduzido e fixado um tecto máximo. A dívida estudantil deve ser cancelada, defende.

Defende ainda um financiamento público plurianual, que deverá ser contratualizado com as instituições de ensino superior, laboratórios e centros de investigação, sendo que, em contrapartida, deverá existir um “mecanismo avaliativo de políticas na melhoria da acção social escolar e do combate à precariedade”.

No ramo da investigação, o Bloco defende que o investimento para a área deve atingir os 3% do PIB na próxima legislatura, e quer que o Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica seja revogado, sendo os actuais bolseiros inseridos num “enquadramento legal que garanta o direito a um contrato de trabalho, com 14 meses, direito a subsídio de desemprego e outros direitos constantes no código laboral e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”.

Quanto ao ensino politécnico, defende que deve ser aprofundado o seu financiamento, de forma a reforçar a capacidade destas instituições na área da investigação científica e garantindo a possibilidade de ministrarem doutoramentos.

É ainda proposta a criação de códigos de conduta e de uma estrutura independente para denúncia e apoio em caso de assédio nas instituições de ensino superior.

No que diz respeito ao alojamento estudantil, o Bloco propõe a conversão de edifícios públicos sem utilização em residências, protocolos com o sector hoteleiro e alojamento local para disponibilização de quartos “em número suficiente e a preços controlados” e a “requisição de imóveis afectos ao alojamento local” ou com fins turísticos, “priorizando as habitações detidas por proprietários com elevado número de imóveis em alojamento local/turístico”.

PAN

Para o PAN, é importante rever o modelo de acesso ao ensino superior, que, defende, não deve ser centrado apenas nos resultados académicos e deve ser concretizada, progressivamente, a gratuitidade das licenciaturas. Quer também evitar o abandono dos cursos por desconhecimento: para isso, propõe mais experiências, através de programas, em diferentes áreas de formação.

O partido quer alterar o regulamento de atribuição de bolsas, alargar a Educação Especial ao Ensino Superior (e a acessibilidade das residências) e acabar com as taxas e emolumentos de admissão a provas de doutoramento já no início do próximo ano lectivo.

O PAN quer reforçar os incentivos (nomeadamente a nível de IRC) para as empresas que assumirem as propinas de licenciaturas, mestrados ou doutoramentos dos seus trabalhadores, potenciando assim “a aprendizagem ao longo da vida” e a diversificação dos “perfis de acesso ao ensino superior”.

Também para as cantinas do ensino superior há uma proposta: o PAN quer criar uma Estratégia Nacional para a Alimentação Saudável, que deverá chegar a todos os graus de ensino. Quanto ao valor do prato social, deverá ser congelado a partir de 2025. O partido quer também uma rede de serviços de psicologia acessíveis.

Na investigação, o PAN quer substituir as bolsas de investigação pós-doutoramento por contratos de trabalho.

Relativamente ao alojamento, o partido defende que deve ser garantido, em todos os projectos de habitação pública, “uma percentagem destinada a jovens e a alojamento estudantil”, e que deve ser criado um “complemento de bolsa” para fazer face ao aumento do preço da habitação.

O PAN quer também criar uma Rede Europeia de Alojamento Estudantil, converter imóveis públicos devolutos em habitação para estudantes, que poderão lá ficar até um ano após o término dos estudos. As rendas destes imóveis devem estar em linha com o valor das residências universitárias. O partido quer também garantir que “em todos os projectos de habitação pública há sempre uma percentagem destinada a jovens e alojamento estudantil”.

Livre

Para o Livre, é importante eliminar as propinas das licenciaturas e da parte escolar dos mestrados. A parte não escolar (dissertação ou estágio) deve sofrer uma regulamentação do valor. Quer igualmente acabar com as taxas e emolumentos, como os de admissão às provas de doutoramento.

O Livre quer ainda garantir a “atractividade e a oferta formativa do ramo do ensino nas universidades públicas”, devendo para isso, entre outras, ser considerada “a suspensão das propinas de mestrados em ensino nas universidades públicas em função da necessidade da formação de professores” ou permitindo que “estudantes deslocados possam fazer o estágio do mestrado em ensino em escolas públicas da sua área de residência”.

O partido quer também reforçar os apoios sociais aos estudantes, nomeadamente através da criação de um Fundo de Apoio ao Estudante do Ensino Superior, “financiado em parte por impostos de beneficiários do mesmo com altos rendimentos e pelas empresas altamente lucrativas”; ou através de medidas como a gratuitidade dos passes, para estudantes que ultrapassem o limite de idade actualmente definido para o passe grátis.

Dentro das instituições de ensino superior, o Livre quer que existam gabinetes de apoio psicológico, e gabinetes para a prevenção e combate ao assédio, que possam constituir comissões para processamento de queixas. Propõe também lançar um programa de Orçamento Participativo para o ensino superior, para que a comunidade académica possa apresentar projectos “que melhorem o quotidiano da sua instituição”.

No que toca à investigação, o Livre propõe a promoção de investigação interdisciplinar em áreas estratégicas, como a saúde, sustentabilidade e alterações climáticas, “estabelecendo programas em conjunto com as empresas e a administração pública, de forma a criar condições para a aceleração da aplicação de novas tecnologias junto da sociedade”.

Defende a criação de um Fundo Estratégico da Ciência e Tecnologia, para financiamento do sistema científico, que deverá ser “assegurado através dos impostos e taxas sobre a actividade económica”.

No âmbito do alojamento, o Livre propõe o aumento do número de vagas em residências e a revisão do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, passando a incluir medidas como a conversão de edifícios públicos em residências, bem como o reforço de dotação orçamental para que as autarquias e as universidades “possam desenvolver os seus próprios projectos de alojamento estudantil”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários