“Revolução, já!”: um “grito” do Porto para despertar “sonâmbulos” e lembrar o 25 de Abril

Entre Março e Dezembro, os 50 anos do fim da ditadura vão ser celebrados no Porto com uma agenda cultural diversa. O programa municipal foi apresentado esta quinta-feira.

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Celebração do 25 de Abril de 1974, na Avenida dos Aliados, no Porto Paulo Pimenta/Arquivo
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“A democracia é o único sistema que de quatro em quatro anos substitui o rei sem ter de o decapitar ou sem esperar que ele morra”. No caso de Portugal, mas não só, optar por outra via de governação seria uma “catástrofe”. A menos de um mês das eleições legislativas, num panorama em que um certo saudosismo bafiento de tempos que se querem distantes exala de alguns quadrantes políticos um pouco por toda a Europa (Portugal incluído) e pelo mundo, o professor José Bragança de Miranda caracteriza assim a herança que nos foi entregue depois da revolução que trouxe com ela a liberdade ao país. O Porto vai assinalar os 50 anos de Abril de 1974 e o co-comissário do seu programa comemorativo enalteceu as virtudes de se poder viver sem medo. A efeméride será celebrada debaixo do desígnio “Revolução, já!”. E a arte e o pensamento serão veículos para perpetuar os valores da liberdade.

Sem cerimónias solenes, mas com uma agenda municipal que arranca em Março e se prolonga até Dezembro, o programa, apresentado esta quinta-feira de manhã no Palacete dos Viscondes de Balsemão, na Praça Carlos Alberto, junto à estátua de Humberto Delgado, por Jorge Sobrado, co-comissário da programação e director do Museu e Bibliotecas do Porto - que brevemente assumirá a vice-presidência da Cultura na CCDR-N -, por Bragança Miranda e por Rui Moreira, será posto em prática na rua e em alguns equipamentos da cidade.

Ao ar livre, a poesia estará à vista de todos, de 10 a 30 de Abril, em 440 mupis da cidade. Os autores dos poemas serão tantos quantos os anos que completa a Revolução dos Cravos. Entre os 50 autores, que não assinarão os versos espalhados pelo Porto – não será possível saber quem escreveu o quê -, estão o músico e vereador na Câmara de Braga Adolfo Luxúria Canibal, Regina Guimarães, Mário Cláudio ou Maria Quintans.

Jorge Sobrado diz querer com esta iniciativa “contaminar” o espaço público para despertar “sonâmbulos” ou “curiosos”. E a programação desta comemoração, que se prolongará por vários meses, afirma, é uma espécie de “grito” e um “trabalho de arqueologia” que invoca o espírito da época, numa altura em que considera que “a palavra 'sonho'” foi “cancelada” do discurso político.

Esse sonho será o pano de fundo de uma agenda municipal que será preenchida por várias disciplinas artísticas. As datas de realização dos eventos serão disponibilizadas ao público no site da câmara. Na Biblioteca Almeida Garrett vai haver cinema, curado por Edmundo Cordeiro, de realizadores como Manoel de Oliveira, Pedro Costa, Antonioni ou Jonas Mekas. O Cineclube do Porto também terá um ciclo de “cinema de revolução”. O cinema Batalha também se associa à programação.

Na fotografia, vídeo, literatura e cerâmica, já em fase de trabalho, está o Projecto Liberdade, realizado em estabelecimentos prisionais e levado a cabo por Paulo Pimenta, Kitato, Teresa Pacheco Miranda, Paulo Farinha e Catarina Laborim, na categoria da imagem, Isaque Ferreira, António Gonçalves, na literatura, e Liliana Velho e Renata Bueno, na cerâmica.

Regresso do Fórum do Futuro

Haverá também “cursos breves” de enquadramento sobre música de protesto, ficção portuguesa do final da ditadura e de outras revoluções “que mudaram o mundo”, avança Jorge Sobrado. A história da estátua de Humberto Delgado, na Praça Carlos Alberto, e a antiga sede e prisão da PIDE, na Rua do Heroísmo, serão revisitadas e o foco de um espaço de conversa realizada nos locais em questão.

Na noite de 24 para 25, na Avenida dos Aliados, há um espectáculo de videomapping, realizado pelo fotojornalista Alfredo Cunha, o músico Rodrigo Leão e o artista plástico Vhils, que terminará com fogo-de-artifício.

Entre Março e Dezembro, regressa ainda o Fórum do Futuro, suspenso desde a pandemia, aqui integrado no programa dos 50 anos do 25 de Abril, com 10 pensadores contemporâneos, como Markus Gabriel, Dario Gentili, Catherine Malabou ou António Guerreiro. A STCP também se associa à celebração, no Museu do Carro Eléctrico, para recordar as memórias dos seus trabalhadores durante a revolução.

A agenda não se esgota nestas actividades. Certo é que o programa não arrancará com uma cerimónia solene. Algo “maçador”, considera Rui Moreira. Para o presidente da Câmara do Porto, interessa assinalar a efeméride, recorrendo às artes e sublinhando que “uma revolução não é uma revolta”. Moreira considera que no 25 de Abril de 1974, “das revoluções mais consensuais”, há “uma ligação à cultura”.

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