Que regras ambientais afectam a agricultura europeia?

Pacto Ecológico Europeu, estratégia Do Prado ao Prato, Política Agrícola Comum. Como é que o puzzle de planos da União Europeia liga o clima e a agricultura?

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Tiago Bernardo Lopes
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As últimas semanas foram de inquietação entre os agricultores da União Europeia. O mês de Janeiro foi marcado pelos sonoros protestos de agricultores franceses, que colocaram os seus tractores nas estradas, mas também na Alemanha, Bélgica e Roménia. Fevereiro começou com um dia a “feno e fogo” em Bruxelas, onde agricultores de vários países se concentraram para gritar as suas reivindicações. Também em Portugal milhares de agricultores se juntaram com os seus tractores a marchas lentas em vários pontos do país, depois de cortes nos apoios prometidos para a agricultura biológica.

As razões dos protestos em cada um destes países formam um autêntico caleidoscópio de queixas, que têm em comum a enorme perda de rendimentos e o fardo da burocracia da Política Agrícola Comum (PAC). Em várias notícias, contudo, foi-se lendo que os agricultores “se sentem sufocados por uma regulamentação excessiva em matéria de protecção ambiental”.

Eis as respostas a algumas perguntas sobre as políticas ambientais europeias e como é que têm entrado no debate da agricultura.

O que é o Pacto Ecológico Europeu? E a estratégia Do Prado ao Prato?

Apresentado em Dezembro de 2019, o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal) é o grande programa da Comissão Europeia para tornar a economia da UE sustentável. Preconiza os objectivos de redução das emissões de CO2 em 55% até 2030 e de descarbonização até 2050 (entretanto consagrados na Lei Europeia do Clima), através de uma transição justa e inclusiva.

Liderado durante quase quatro anos pelo antigo vice-presidente da Comissão, o neerlandês Frans Timmermans, o Pacto Ecológico previa também um conjunto de instrumentos legislativos, como as revisões do pacote “Fit for 55”, e uma série de estratégias. Entrando a todo o gás no debate sobre como os alimentos são produzidos e nos chegam à mesa, a Comissão avançou com a ambiciosa estratégia Do Prado ao Prato, para garantir sistemas alimentares — de produção e de consumo — mais sustentáveis. Mas a realidade pôs um travão ao entusiasmo de Timmermans.

Não havia já uma Política Agrícola Comum?

Sim, e é um dos instrumentos de mercado mais antigos e também mais dispendiosos do orçamento da UE. A Política Agrícola Comum (PAC), que agrega mais de um terço do orçamento da União, foi oficialmente lançada em 1962, criando organizações de mercado comum para áreas como a produção de cereais, carnes, vinho ou frutas e vegetais, tendo lenta mas gradualmente integrado novas respostas em áreas como as alterações climáticas, o bem-estar animal e o desenvolvimento rural.

No debate para a PAC para 2021-2027 (que acabou por entrar em vigor apenas em 2023), as reivindicações “verdes” se tornaram mais incisivas; mais acirradas se tornaram também as acusações de que os objectivos ecológicos estavam a ser “impostos” ao mundo rural sem garantias de uma compensação para a perda de rendimentos associados a este tipo de produção. No final das contas, a revisão da PAC (que começou a ser debatida muito antes de chegar a estratégia Do Prado ao Prato) ficou muito aquém dos sonhos dos ambientalistas, trazendo contudo novos incentivos à agricultura biológica, nos chamados “regimes ecológicos”.

A redução de pesticidas e a aposta na agricultura biológica, duas grandes prioridades na transição para uma agricultura mais sustentável, foram sempre pontos sensíveis nas negociações no Parlamento Europeu, dividido entre uma comissão de Agricultura mais conservadora e focada na produção e uma comissão de Ambiente mais preocupada em integrar uma visão sustentável.

Afinal, as exigências ambientais são demasiadas ou são insuficientes?

Depende da perspectiva.

Vários regulamentos propostos pela Comissão Europeia no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, em particular os que foram votados em 2023, têm sido esvaziados do seu potencial, como aconteceu nos aquecidos debates no Parlamento Europeu sobre a Lei do Restauro da Natureza, o regulamento sobre emissões industriais (que acabou por deixar de fora uma grande fatia de grandes produtores) ou, já este ano, a redução do uso de pesticidas. Do ponto de vista climático, a agricultura continua a ser um dos sectores em que a redução de emissões de gases com efeito de estufa (dióxido de carbono, mas em particular o metano) mais tem estagnado, ao contrário do esforço que tem sido imposto a sectores como a indústria.

Por outro lado, os governos de vários Estados-membros têm alegado dificuldades em aplicar às políticas agrícolas nacionais as regras que vão sendo aprovadas por Bruxelas. Já desde o ano passado que o Presidente francês, Emmanuel Macron, vinha defendendo uma espécie de moratória, propondo um travão a leis ambientais ambiciosas porque “nos próximos cinco anos temos de nos preocupar com a nossa competitividade”, para que a Europa não perca poder económico.

Afinal, como cumprir os objectivos ecológicos sem perder a produção?

É pouco provável que, pelo menos numa fase inicial, se consiga fazer uma transição ecológica da agricultura sem perder produção, mas é aí que chegamos a uma das partes mais difíceis do debate, e algo que os agricultores franceses também tentaram abordar: a competitividade da economia europeia.

A gestão dos recursos agrícolas é um puzzle complexo, que envolve não apenas a soberania alimentar ou imperativos climáticos, mas também questões como as exportações (incluindo para países em desenvolvimento, sem capacidade de produção agrícola) ou o desperdício alimentar.

Uma das exigências dos agricultores é que a UE reclame aos países terceiros, com os quais o bloco tem parcerias comerciais, as mesmas regras que exige aos seus produtores. Caso contrário, alertam, o mercado continuará a ver chegar produtos mais baratos que não cumpriram as mesmas exigências, algo que os agricultores acusam de concorrência desleal (e que perpetua a necessidade de apoios). Respondendo a essas preocupações, o próprio presidente Macron tem manifestado as reservas de França em relação ao acordo da UE com o bloco Mercosul, exigindo que seja revisto para incluir cláusulas sobre questões ambientais.

Em Portugal, os agricultores queixam-se do mesmo?

No caso dos protestos desta semana, não. Os agricultores afectados pelos cortes nos pagamentos que espoletaram os protestos, aliás, são precisamente aqueles que abraçaram a agricultura biológica e a produção integrada. Aliás, tal como se vê a nível da União Europeia, os lobbies que mais resistem às regras ecológicas são os da agricultura industrializada e os grandes produtores, mais do que os pequenos agricultores mais vulneráveis.

Como refere a Confederação Nacional de Agricultores (CNA), que representa pequenos produtores e agricultura familiar, “os actuais protestos dos agricultores que ecoam por toda a Europa têm contextos e realidades diferentes, mas em todos eles existe um ponto comum: o rendimento dos agricultores, o dinheiro que no final da campanha fica para os agricultores poderem sobreviver”. “A realidade é só uma”, denunciam: “mesmo contabilizando as ajudas, a asfixia financeira da grande maioria dos agricultores, principalmente os pequenos e médios, é permanente e brutal, agravada pela ‘ditadura’ da grande distribuição e pelos apoios que os Governos lhe dedicam.”

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