Há mais água nas albufeiras, mas foi chuva de pouca dura. Ainda faz falta o milagre

A chuva ajudou, mas, comparando com igual período de 2023, há menos 527hm3 nas reservas de água. As barragens do Sul registaram até um aumento superior às do Norte, mas a agricultura precisa de mais.

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A chuva de Janeiro ajudou a melhorar a situação no Sul do país, mas os agricultores esta região não podem ainda respirar de alívio Debove Sophie/ GettyImages
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As chuvas intensas transportadas, primeiro pela depressão Hipólito e depois pela depressão Irene, deixaram nas 81 barragens monitorizadas pelo Serviço Nacional de Informação e Recursos Hídricos (SNIRH), entre 17 e 23 de Janeiro, um acréscimo global de 958 hectómetros cúbicos nos volumes de água armazenados. Todas as bacias hidrográficas do país registaram uma subida no nível dos armazenamentos. Porém, ainda não é este o milagre que os agricultores do Sul do país esperavam e nos casos mais críticos ainda não há razão para respirar de alívio.

A chuva das últimas semanas ajudou, sem dúvida. Aliás, nas 28 albufeiras alentejanas até se verificou uma subida percentual superior ao que foi observado nas bacias hidrográficas a norte do rio Tejo – ou seja, desta vez, o Sul lucrou com o mau tempo. Contudo, cerca de metade das reservas de água mantém os seus armazenamentos abaixo dos 50% e, destas, quatro permanecem no vermelho: Campilhas (13%), Monte da Rocha (11%), Arade (15%) e Bravura (9%).

A barragem de Santa Clara registou, entre 17 e 23 de Janeiro, um aumento da sua reserva de água de 6,9 milhões de metros cúbicos (m3), o que equivale a um reforço de apenas 1%, insuficiente para garantir o regadio em circunstâncias normais no Perímetro de Rega do Mira. Igualmente problemática é a situação nas seis barragens algarvias: Arade (15%), Funcho (33%), Odelouca (28%), Bravura (9%), Beliche (32%) e Odeleite (38%), onde os aumentos registados foram residuais.

Alqueva: bem, mas pior do que em 2023

Destaca-se o contributo que a barragem de Alqueva continuará a ter na próxima campanha de rega – poderá chegar aos 160 mil hectares. O forte temporal que ocorreu no território espanhol provocou grandes inundações na região de Badajoz e tornou-se um grande contribuinte líquido, tendo lançado, na enorme albufeira, no período referido, mais 381hm3.

Isto levou a que a sua cota subisse para os 148,74 metros acima do nível do mar, ou seja, mais de 1,75 metros de água armazenada do que tinha. No entanto, este volume de água em Alqueva é inferior ao registado no dia 22 de Janeiro de 2023, quando a cota da albufeira atingiu os 150,38, o que correspondeu a 3704,37hm3, mais 344hm3 do que o registado na última segunda-feira. Isso quer dizer que estamos bem, mas pior do que no ano passado.

O acréscimo nos caudais dos rios Lima, Douro, Tejo e Guadiana beneficia, como é óbvio, das afluências vindas das respectivas bacias hidrográficas em território espanhol. No período em causa (17 a 22 de Janeiro), os volumes de armazenamento no país vizinho também registam um aumento: Minho de 75% para 83,1%; Douro de 58,1% para 65,3%; Tejo de 58,1% para 69,6% e Guadiana de 26,9% para 32,2%.

Espanha ainda está aflita

É nesta última bacia que se observa a situação mais crítica de escassez de recursos hídricos, sobretudo na região de Huelva. As barragens do Chança (135,1hm3) e Andévalo (161,1hm3) concentram, no seu conjunto, 28,5% da sua capacidade máxima de enchimento, quando representam o suporte principal para o regadio de cerca de 40 mil hectares de frutos vermelhos (morangos) e hortícolas, culturas que estão em causa devido à escassez de água nas reservas que existem na província do Sul de Espanha.

A alternativa para os agricultores espanhóis encontra-se em Alqueva, reserva de água que passou a ser reclamada como decisiva para garantir o abastecimento de água à agricultura, turismo e sector mineiro do lado de lá da fronteira. Do lado de Espanha, há já algum tempo, sobram os apelos para que o governo peça água de Alqueva a Portugal.

Oficialmente, não são conhecidos quaisquer contactos ou negociações entre os governos dos dois países ibéricos para consumar o envio urgente de 100hm3 para garantir o ano agrícola em Huelva, que já se iniciou. Também associações de agricultores da região da Extremadura já fizeram saber que necessitam da água de Alqueva para o seu regadio.

Pomarão e Monte da Rocha para abastecer Algarve

Em Portugal, prepara-se a instalação do sistema que levará a água de Alqueva, a partir do Pomarão (onde Huelva também capta há décadas cerca de 75hm3 com a conivência das autoridades portuguesas), para suprir o abastecimento agrícola, turístico e consumo humano na região algarvia. E vai iniciar-se a instalação do ramal que levará água para a barragem do Monte da Rocha, que assegurará recursos hídricos a 2 mil hectares de regadio e o consumo humano dos concelhos de Castro Verde, Almodôvar, Ourique e Mértola.

A intensa procura de água a partir de Alqueva causa apreensões, e já levou o presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo (AABA) a lançar um alerta: “O sucesso de Alqueva pode transformar-se no seu maior insucesso.”

E o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) já veio alertar para uma realidade que pode ter continuidade ao longo de 2024: a 31 de Dezembro, 38% do país encontrava-se em seca meteorológica. O ano passado foi o mais quente já registado a nível global.

O IPMA registou ainda “um aumento de área de Portugal continental em classe de seca fraca de 19,4% em Novembro para 21,4% em Dezembro”. O Baixo Alentejo e o Algarve são as regiões onde o fenómeno da seca atinge maior amplitude.

O recurso a que teve de recorrer a Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA), forçada na campanha de rega Primavera/Verão a dotar os sistemas de rega com mais 30hm3 de água, dado o acréscimo das temperaturas, que obrigaram a intensificar a rega das culturas permanentes de olival, amendoal e vinha, pode vir a transformar-se numa situação recorrente.

Até ao início de Fevereiro, o país vai assistir a dias soalheiros, com temperaturas primaveris que chegarão nalguns distritos aos 24 graus. Isto significa que um razoável volume de água que continua a afluir às albufeiras nacionais irá desaparecer sob o efeito da evapotranspiração.

Em Alqueva, e ao longo de um ano, a perda de água por força deste fenómeno pode chegar aos 300hm3, volume quase idêntico ao que deu entrada na grande albufeira no período de 17 a 22 de Janeiro. Resta esperar pelo tempo dos próximos meses e torcer para que se cumpra o provérbio antigo que nos diz que em Abril chegam as prometidas águas mil.

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