A área educativa do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) tem uma entrada dedicada à seca. Há a seca meteorológica, ligada à (pouca) chuva que cai, a seca agrícola, relativa à disponibilidade de água no solo para as culturas, a hidrológica, que se refere à quantidade de água armazenada, e a socioeconómica, associada ao impacto da falta de água nas populações.

Não interessa aqui destrinçar cada significado, mas sim ter em conta que a necessidade de se criarem tantas declinações do conceito de seca revela a ligação complexa que as sociedades têm com a água, usada em todas as actividades, que alimenta a economia de regiões, leva à construção de redes de abastecimento e albufeiras, é alvo de políticas. Não haveria uma nova paisagem alentejana feita de olivais intensivos, se não houvesse o Alqueva, a título de exemplo.

Se há água em abundância não há preocupações. Como disse ao PÚBLICO o engenheiro e especialista em hidrologia da Universidade do Porto, Joaquim Poças Martins: "A abundância usufrui-se, a escassez gere-se." No contexto da seca meteorológica que assola há anos a região do Algarve e que se transformou numa seca hidrológica, essa tensão entre as necessidades de uma sociedade e a disponibilidade de um recurso vem ao de cima, emerge e transforma-se numa crise, como temos visto nos últimos dias.

O Governo anunciou finalmente nesta quarta-feira quais são as medidas de curto prazo para o Algarve, de modo a gerir a pouca quantidade de água armazenada nas barragens algarvias. Há 15% de corte do abastecimento de água ao sector urbano (onde se inclui o sector do turismo) e 25% ao sector agrícola, que se reparte em cortes de 40 e 50% quando se fala das águas superficiais, armazenadas nas albufeiras do Barlavento e do Sotavento, respectivamente.

Esta dura realidade põe à prova a agricultura da região, principalmente as culturas de regadio, como mostra a reportagem que o jornalista Idálio Revez, o fotojornalista Rui Gaudêncio e a jornalista de multimédia Mariana Godet fizeram, onde se pedem milagres e chuva.

Esta semana, a depressão Irene já trouxe alguma água à região. Mas não é suficiente. "Até dia 19 [sexta-feira] estamos à espera que continue a chover no Algarve, mas em termos de quantidades de precipitação que cheguem para terminar com a seca, parece pouco provável", disse-nos Patrícia Matos, meteorologista do IPMA. O que seria necessário para as albufeiras encherem? "Várias semanas com muita precipitação."

Em média, os meses com mais chuva no Algarve são Outubro, Novembro e Dezembro. Para chegar à dimensão dos cortes de água para a região em 2024, o Governo compôs um cenário pessimista, que teve em conta o ano da última década com menor precipitação. Nesse sentido, os produtores de citrinos e de abacates, que cultivam espécies de porte que duram anos, estão especialmente preocupados em, pelo menos, conseguirem manter as suas árvores vivas, já que a produção de muitos deles está posta em causa, com milhões de euros de prejuízo.

O cenário a médio prazo não é melhor. Os peritos referem que as alterações climáticas, que estão a trazer temperaturas mais altas e menos precipitação para a região, vão continuar a impor este novo regime climático. Perante isto, o Governo tem uma série de medidas de médio prazo para poupar água e obtê-la de novas fontes, como da Central de Dessalinização em Albufeira. Mas não é garantido que essas adaptações cheguem para sectores como o agrícola e o turismo que querem continuar a crescer.

O que fazer, então? Ir buscar água ao Norte do país, como esperam os agricultores? Adaptar os sectores a um novo contexto de escassez, como especialistas e ambientalistas defendem? Acabar com a negação e com a ilusão de abundância, como foi tão referido nestes dias? André Gomes, presidente da Associação do Turismo do Algarve, disse ao PÚBLICO que era necessário uma "coesão territorial a nível de água" que contemple todo o território nacional.

Na maior parte do resto do país não há seca hidrológica e, apesar dos anos mais secos, a chuva vai respondendo às necessidades. Mas quando é que a seca de uma região se torna num problema do país? Sabendo que as alterações climáticas são um problema de todos. Perante uma crise que não mais se vai embora, a discussão terá obrigatoriamente de se alargar. Aqui, no Azul, iremos segui-la de perto.