Análise ao sangue pode transformar o diagnóstico da doença de Alzheimer

Esta simples análise ao sangue revelou ter até 96% de precisão na identificação de níveis elevados de beta-amilóide e até 97% de precisão na identificação da proteína tau.

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Exposição dedicada ao cérebro Miguel Manso
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Uma análise ao sangue para detectar a doença de Alzheimer poderá ter tanta precisão como as dolorosas e invasivas punções lombares e poderá revolucionar o diagnóstico da doença, segundo um estudo de uma equipa internacional publicado na segunda-feira.

A análise consiste na medição dos níveis de uma proteína chamada “p-tau217” no sangue, um marcador das alterações biológicas que ocorrem no cérebro com a doença de Alzheimer.

A CNN destaca que esta análise pode ser utilizada para detectar a doença de Alzheimer com “elevada precisão”, mesmo antes de os sintomas começarem a aparecer.

Os especialistas acreditam que esta análise poderá ter tão precisão como as punções lombares — que consistem na introdução de uma agulha na zona lombar, entre os ossos da coluna vertebral — na detecção dos sinais de Alzheimer e melhor do que vários outros testes em desenvolvimento, destaca o diário britânico The Guardian.

Biomarcadores-chave

O estudo, liderado por Nicholas Ashton, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e publicado na revista Jama Neurology, envolveu 786 pessoas.

Os participantes tinham uma média de idades de 66 anos e foram submetidos igualmente a exames cerebrais e a punções lombares, bem como à recolha de amostras de sangue. Enquanto alguns participantes mostraram sinais de declínio cognitivo durante a recolha de dados, outros não.

De acordo com a CNN, a proteína p-tau217 é um biomarcador-chave da doença de Alzheimer, cujos níveis aumentam ao mesmo tempo que outras proteínas — como a beta-amilóide e a proteína tau — e acumulam-se no cérebro das pessoas com a doença. Actualmente, para identificar a acumulação destas proteínas no cérebro, os doentes são submetidos a exames ao cérebro, como tomografias, ou a uma punção lombar, exames que muitas vezes podem ser inacessíveis e dispendiosos.

Esta simples análise ao sangue revelou ter até 96% de precisão na identificação de níveis elevados de beta-amilóide e até 97% de precisão na identificação da proteína tau.

“O que impressiona nestes resultados é o facto de a análise ao sangue ter tanta precisão como os testes avançados, como as análises ao líquido cefalorraquidiano e os exames cerebrais, para mostrar a patologia da doença de Alzheimer no cérebro”, diz à CNN Nicholas Ashton, principal autor do estudo.

Nicholas Ashton não se mostrou surpreendido com os resultados do estudo, tendo acrescentado que a comunidade científica sabe há vários anos que a utilização de análises ao sangue para medir a proteína tau ou outros biomarcadores tem potencial para avaliar o risco de Alzheimer, uma doença que afecta a memória e as capacidades de raciocínio, sendo o tipo mais comum de demência.

Diagnosticar antes dos primeiros sinais

De um modo geral, uma análise ao sangue para detectar a doença de Alzheimer, como a descrita no novo estudo, pode ser utilizada para ajudar a diagnosticar uma pessoa com perda de memória precoce, assim como antes de um doente apresentar sinais ou sintomas da doença, uma vez que as alterações no cérebro podem ocorrer cerca de 20 anos antes do aparecimento de sintomas evidentes, segundo refere à CNN Richard Isaacson, director de investigação do Instituto de Doenças Neurodegenerativas da Florida, nos Estados Unidos, que não esteve envolvido no estudo.

Os sinais e sintomas da https://www.publico.pt/2023/05/15/ciencia/noticia/identificado-homem-variante-genetica-resistente-alzheimer-2049507 podem variar, mas muitas vezes os problemas de memória são os primeiros sinais da doença, tais como a névoa mental, perder a noção das datas, perder objectos ou ter dificuldade em realizar tarefas (como tomar banho, ler ou escrever).

“Este estudo é um passo extremamente bem-vindo na direcção certa, pois mostra que as análises ao sangue podem ser tão precisas como os testes mais invasivos e dispendiosos para prever se alguém tem características da doença de Alzheimer no cérebro”, explica ao The Guardian Richard Oakley, director associado de investigação e inovação da Sociedade de Alzheimer do Reino Unido, que não fez parte do estudo.

“Além disso, sugere que os resultados destes testes podem ser suficientemente claros para não exigir mais exames de acompanhamento para algumas pessoas que vivem com a doença de Alzheimer, o que poderia acelerar significativamente o processo de diagnóstico no futuro. No entanto, ainda precisamos de mais estudos em diferentes comunidades para compreender a eficácia destas análises ao sangue em todas as pessoas que vivem com a doença de Alzheimer”, acrescenta.

Rastreio como se faz ao colesterol

David Curtis, professor de genética da University College de Londres, antecipa ao The Guardian que, com este novo teste, “todas as pessoas com mais de 50 anos poderiam ser submetidas a um rastreio de rotina de poucos em poucos anos, da mesma forma que são actualmente submetidas a um rastreio do colesterol elevado”.

“É possível que os tratamentos actualmente disponíveis para a doença de Alzheimer funcionem melhor nas pessoas diagnosticadas precocemente desta forma. No entanto, penso que a verdadeira esperança é que possam também ser desenvolvidos melhores tratamentos. A combinação de um teste de rastreio simples com um tratamento eficaz para a doença de Alzheimer teria um impacto dramático para os indivíduos e para a sociedade”, acrescenta David Curtis.

Porém, alguns especialistas alertam que é necessário analisar melhor uma eventual integração deste tipo de análises ao sangue nos sistemas de saúde.

No ano passado, foi disponibilizado nos Estados Unidos o primeiro teste sanguíneo para medir a proteína beta-amilóide, denominado AD-Detect, para ajudar as pessoas com défice cognitivo ligeiro a identificarem o risco de desenvolverem a doença de Alzheimer. Porém, após alguns investigadores levantarem dúvidas quanto ao teste, a empresa responsável, a Quest Diagnostics, sublinhou que este não se destina a diagnosticar a doença de Alzheimer, mas serve para ajudar a avaliar o risco de uma pessoa desenvolver a doença.

O teste utilizado no novo estudo, denominado ALZpath pTau217, foi desenvolvido pela empresa ALZpath. Neste momento, a análise apenas está disponível para uso em investigação, mas a comunidade científica espera que esteja disponível para uso clínico em breve.

A empresa ALZpath estima que o preço do teste poderá situar-se entre 200 e 500 dólares (cerca de 184 e 460 euros, ao câmbio actual).

Apesar de esta análise ao sangue ter sido considerada altamente precisa para prever se alguém tem características-chave da doença de Alzheimer no cérebro, nem todas as pessoas com essas características irão desenvolver a doença.

Além disso, este teste é específico para a doença de Alzheimer, pelo que, se uma pessoa tiver um resultado negativo mas apresentar sinais de défice cognitivo, este teste não será capaz de determinar outras causas possíveis para os seus sintomas.

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