Bangladesh: crise climática acelera contaminação das águas com arsénio

Dezenas de milhões de pessoas estão em contacto com águas dos poços cuja concentração de arsénio está acima das directrizes da OMS, revela um estudo da revista científica Plos One.

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Uma família viaja para recolher água potável depois de chuvas intensas. Cerca de 49% da água potável do Bangladesh apresenta limites inseguros de arsénio na água EPA/ABIR ABDULLAH
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A crise climática e consequente subida do nível médio do mar, inundações e fenómenos extremos está a contribuir para a contaminação da água potável com arsénio no Bangladesh e a deixar milhões de pessoas em risco, alerta um grupo de investigadores. Este fenómeno pode levar a um aumento do risco de cancro na população e intensificar a crise de saúde pública que já se vive no país, como revela o estudo publicado na semana passada na revista científica Plos One.

O estudo refere que cerca de 49% da água potável do país apresenta limites inseguros de arsénio que pode ser cancerígeno, num momento em que cerca de 78 milhões de bengaleses estão expostos ao risco de envenenamento crónico.

Nesta investigação foram analisadas amostras de água recolhidas de poços espalhados por todo o país. Os resultados, revelados pelo grupo de três investigadores da Universidade de Norwich e da Universidade Estadual Grand Valley (e da organização Better Life Laboratories), nos EUA, indicam que as consequências das alterações climáticas podem aumentar a concentração de arsénio na água dos poços.

“A minha estimativa actual é a de que cerca de 78 milhões de bengaleses estão expostos [a elevados níveis de arsénio] e acredito numa estimativa conservadora que diz que cerca de 900 mil bengaleses deverão morrer com cancro do pulmão e da bexiga”, afirmou Seth Frisbie, professor na Universidade de Norwich (EUA), citado pelo jornal The Guardian.

A intoxicação crónica por arsénio (ou seja, recorrente) leva a que este elemento químico se acumule no corpo da população afectada. As consequências podem resultar no aparecimento de feridas na pele, ou condicionar vários sistemas do corpo humano, como os sistemas nervoso, respiratório e cardiovascular, devido ao acumular dos componentes tóxicos nos órgãos internos do corpo.

O problema da contaminação da água consumida no Bangladesh por elementos tóxicos para o ser humano remonta já à década de 1970. À época, o país apresentava um problema com o consumo de águas superficiais contaminadas, tendo havido esforços por parte da comunidade internacional para resolver o problema. A ONU, em conjunto com organizações não governamentais, e o governo do país instalaram cerca de dez milhões de poços de água potável, o que resultou numa diminuição do índice de mortalidade infantil.

Também há mais de uma década os cientistas já tinham alertado que quase metade da água dos poços do Bangladesh, consumida pela população, excedia os limites de concentração de arsénio ditadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1993 – 10 microgramas por litro.

Mas como é que ocorre a contaminação destas águas? “Os sedimentos das bacias dos rios do Bangladesh são ricos em arsénio natural”, explica o documento. Por sua vez, esses sedimentos acabam por ser transportados e depositados, incluindo após inundações. Num país onde cerca de 97% da população se abastece de água dos poços, a água do subsolo que está em contacto com as rochas sedimentares contém assim altos níveis deste componente.

Durante a análise às amostras recolhidas, os investigadores concluíram que à medida que a concentração de oxigénio dissolvido diminui, a concentração de arsénio aumenta – e este fenómeno pode dever-se à subida do nível da água do mar. Num período típico de chuvas intensas, uma parte do Bangladesh fica inundada com uma mistura de água doce e água salgada – proveniente da baía de Bengala.

À medida que as alterações climáticas se intensificam, as áreas inundadas aumentam, e à medida que a quantidade de água salgada invade os depósitos de água subterrânea, a sua composição química altera-se, fazendo com que uma maior quantidade de arsénio acabe por ser libertada para a água potável dos poços do país. Os autores da investigação alertam ainda para o facto de o fenómeno estar a começar a verificar-se em outras zonas do globo.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva

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