Morreu o escritor e arquitecto paisagista Júlio Moreira

Júlio Moreira conciliou a vida de escritor – publicou oito romances – com os projectos de arquitectura paisagista e industrial. Morreu com 94 anos. O seu espólio está ao cuidado da Gulbenkian.

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Júlio Moreira nasceu em Lisboa, a 29 de Dezembro de 1929. Foi engenheiro agrónomo e arquitecto paisagista, mas manteve paralelamente uma actividade literária Fundação Calouste Gulbenkian
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O escritor e arquitecto paisagista Júlio Moreira morreu este domingo, 14 de Janeiro, aos 94 anos, na sua residência em Lisboa, disse esta segunda-feira à agência Lusa um familiar. Júlio Moreira "teve uma vida plena e cumpriu os seus dois últimos desejos: celebrar os 50 anos do 25 de Abril e os 50 anos de um amor intenso com [a galerista] Ana Viegas", afirma a família em comunicado.

O velório realiza-se na terça-feira, 16 de Janeiro, a partir das 15h, no Cemitério de Carnide, que projectou com o arquitecto Carlos Guedes de Amorim, "com uma cerimónia especial às 19h". A cremação realiza-se na quarta-feira às 11h30, no mesmo cemitério.

Júlio Moreira nasceu em Lisboa, a 29 de Dezembro de 1929, e viveu alguns anos em Cabo Verde, em meados da década de 1940. Engenheiro agrónomo, licenciou-se depois também em Arquitectura Paisagística, que exerceu sobretudo a partir de 1974, mantendo paralelamente uma actividade literária como tradutor e escritor. Publicou oito romances, entre os quais A Barragem, distinguido com o Prémio P.E.N. Clube, e vários contos em antologias e revistas. Alguns dos seus livros encontram-se editados no Brasil, onde passou alguns anos, e também na Alemanha.

A par da ficção, publicou obra ensaística, como A Borges o que é de Borges, na sequência de uma entrevista ao escritor Jorge Luís Borges, em Buenos Aires, e A Inquietação do Tempo na Obra de Rilke, sobre o escritor de língua alemã, autor de As Anotações de Malte Laurids Brigge e dos Sonetos a Orfeu.

Júlio Moreira também foi autor de livros didácticos e de ficção infantil, entre os quais O Mundo É a Nossa Casa (1973) ou A Grande Viagem dos Homens (1985), que faz parte da lista de obras recomendadas pelo Plano Nacional de Leitura. O seu último romance publicado em vida, O Dia Claro, foi publicado pela Oficina do Livro em 2011. Da sua bibliografia refiram-se os romances Férias de Verão (1999), Dentro de 5 Minutos (2002) ou Notícias do Labirinto (2005).

A Fundação Calouste Gulbenkian, no seu site, recorda o seu trabalho como arquitecto paisagista, em particular a participação na 2.ª Exposição de Design Português, promovida em 1973, com a exposição Landscape Design, organizada pelo seu atelier, Paisagem Lda. Landscape Design, como a Gulbenkian indica, é "considerada a primeira manifestação consistente duma consciência ecológica em Portugal."

Júlio Moreira escreveu o livro O Mundo é a Nossa Casa no âmbito desta exposição, com desenhos da cenógrafa e designer Cristina Reis. Na altura, "este livro foi apreendido e destruído por ordem de Marcelo Caetano, à época chefe do Governo", acrescenta a Gulbenkian, sobre este ato do último ano da ditadura. O Mundo é a Nossa Casa teve uma nova edição em 2009.

No percurso de Júlio Moreira como arquitecto paisagista, a Gulbenkian enumera ainda intervenções em espaços industriais, como as áreas envolventes do bairro operário A Tabaqueira (1966), colaborações em planos sobre espaços de interesse patrimonial, como o plano de reconversão do Mosteiro de Alcobaça (1995), e projectos em torno de espaços reservados, como aconteceu com os cemitérios de Carnide (1985) e do Lumiar (1999), em Lisboa.

Em 2012, com o encerramento do seu atelier, Paisagem Lda, Júlio Moreira confiou o espólio à Gulbenkian. Pertence agora ao acervo da Biblioteca de Arte e Arquivos desta fundação, "estando actualmente em fase de tratamento documental", indica a instituição.

O curador e administrador da Fundação EDP, José Manuel dos Santos, sobre Júlio Moreira, afirma: "Escritor, quis imaginar o tempo que viveu para o entender melhor. Paisagista, procurou nos jardins da vida e da morte uma harmonia que o seu amigo José de Almada Negreiros buscava nos números e nos seus mistérios inumeráveis. Cidadão, foi sempre fiel a um impulso de tornar o mundo mais habitável e mais justo", lê-se no comunicado divulgado pela família.

No mesmo comunicado, o escritor Helder Macedo dá conta do seu pesar e escreveu: "Saudações ao Júlio, o escritor, o construtor de paisagens renovadas, o lutador do impossível, o amigo de sempre e para sempre".

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