O futuro da governação universitária

A inovação pedagógica é um corolário inevitável da revolução digital. As universidades devem abandonar paradigmas tradicionais e abraçar novas metodologias de ensino.

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Qual o futuro da gestão universitária? Poderá a universidade continuar a ser uma instituição com capacidade de mudar, inovar, reconhecer e criar oportunidades? Outros modelos de universidade emergirão e tornar-se-ão dominantes? É certo que os crescentes desafios globais estão a desencadear mudanças. A questão que se coloca é a de saber se as universidades, com os recursos de que dispõem, serão capazes de lidar com essa incumbência.

O horizonte de 2030 é marcado por uma intersecção complexa de desafios e oportunidades para as universidades.

A transição digital emerge como força motriz da mudança. A convergência tecnológica redefinirá as metodologias de ensino, assim como os processos administrativos e as modalidades de investigação. O desafio está na capacidade de as instituições se adaptarem à revolução digital, integrando ferramentas inovadoras nas pedagogias e na investigação.

A inovação pedagógica é um corolário inevitável da revolução digital. As universidades devem abandonar paradigmas tradicionais e abraçar metodologias de ensino que fomentem a criatividade, o pensamento crítico e a resolução de problemas. A flexibilidade curricular e a personalização do ensino são fundamentais para responder à diversidade de perfis de estudantes e às necessidades de um mercado de trabalho em intensa evolução.

O modelo de financiamento é crucial para que as universidades tenham orçamentos equilibrados e garantam a todos o acesso à educação superior. Estratégias inovadoras de captação de recursos e parcerias público-privadas são alternativas viáveis, exigindo uma reavaliação das políticas de financiamento e uma procura contínua por eficiência e transparência (vejam-se os recentes contratos-programa assinados por três universidades públicas com o Estado).

As universidades precisam de se tornar mais internacionais, promovendo uma maior mobilidade de estudantes, académicos e demais profissionais. As próprias instituições deslocam-se e criam centros de aprendizagem noutros continentes. A mobilidade generalizada levará a um maior multiculturalismo, exigindo, com outros fatores, que as universidades lidem com os desafios da igualdade, diversidade e inclusão.

As mudanças demográficas, em particular o influxo de imigrantes, é outro desafio para as universidades, exigindo maior capacidade de representação e participação de novos grupos, aproveitando o seu talento.

O Relatório da Comissão Independente de Avaliação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) recentemente tornado público abre as portas para uma redefinição das políticas públicas visando a alteração da configuração e modo de funcionamento das universidades, que devem adaptar-se a um mundo em rápida mudança e aumentar o seu impacto global. A democratização das decisões académicas está intrinsecamente ligada à promoção da inclusão e da igualdade de oportunidades, fundamentais numa sociedade que procura aprofundar os direitos democráticos.

A igualdade de género é outra prioridade. Estudos demonstram que, apesar do aumento da obtenção de graus académicos pelas mulheres nos últimos 20 anos, ainda existe uma sub-representação destas em lugares de maior autoridade académica. É necessário desenvolver metas e soluções de gestão adequadas para melhorar a igualdade entre homens e mulheres. O mesmo se aplica a outras populações, como as pessoas com deficiência e minorias étnicas.

No plano educativo, há vários desafios colocados pelo aumento do número de estudantes, pela distorção da relação docentes-estudantes, pela forte regulação externa da educação como prestação de serviço e pelas mudanças nas relações das universidades com o Estado. Existe hoje uma evidente necessidade, por exemplo, de aumentar o pessoal técnico de apoio às atividades de ensino, investigação e transferência do conhecimento, tidas como de igual valor.

Neste contexto, três conceitos-chave emergem, que correspondem a outros tantos desafios: qualidade da educação, empregabilidade e ensino a distância.

A qualidade da educação é um conceito multidimensional, dinâmico e contextual que depende do processo educacional e dos seus resultados, ou seja, tanto de condições internas (das próprias universidades) como externas (sociedade). Assiste-se a uma responsabilidade crescente das universidades perante as partes interessadas, em que sobressaem os estudantes, a que se deve responder com a melhoria contínua dos serviços e transparência.

A empregabilidade é central na missão das universidades, vinculando as ofertas das instituições às necessidades do mercado de trabalho, sem eliminar o conteúdo universal da educação em favor de uma formação vocacional geral ou especializada.

O terceiro desafio é o ensino a distância, que ganhou centralidade durante a pandemia da covid-19. Até aí, considerava-se, na melhor das hipóteses, que esse regime de educação superior fomentava inovações, permitia experimentações no campo do ensino e tornava o processo de aprendizagem independente de tempo e lugar. Seria um ensino planeado, com particulares exigências de preparação, com o seu quê de exótico, mas a verdade é que respondeu a uma situação de crise.

O ensino online é um fator de desenvolvimento económico e social que aumenta o acesso à educação, ajuda a recuperar o atraso educacional e elimina uma falha do sistema em relação aos países mais desenvolvidos. Reconhece-se hoje que o potencial do ensino a distância reside numa visão de universidade aberta, acelerando os processos de difusão do conhecimento.

Tudo isto ocorre em contextos complexos em que a competitividade das universidades é um valor em si mesmo, superior ao desempenho individual dos seus membros. Elas têm que lidar com o desafio de manter tradições muitas vezes centenárias enquanto enfrentam crescentes expectativas de melhoria da qualidade da educação ou de produção de conhecimento para as necessidades do Estado e da economia. A procura pela identidade própria ocorre diante da resposta à agora chamada terceira missão das instituições de ensino superior, a saber, a cooperação com a sociedade. Portugal precisa de universidades inovadoras e diferenciadas que sejam capazes de atuar local e globalmente, o que pressupõe uma combinação harmoniosa de políticas públicas e de capacidade de gestão interna que interrompam inércias antigas e iniciem caminhos novos. Os estudos estão todos feitos, não se pode esperar.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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