Administrador do Global Media inclui antecessor em todas as decisões do grupo

José Paulo Fafe acusa Marco Galinha e anteriores administrações de terem gerido o grupo de “forma leviana”.

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José Paulo Fafe foi director do jornal "Tal & Qual" LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS
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O actual presidente da Comissão Executiva (CE) do Global Media Group (GMG), José Paulo Fafe, revelou nesta quarta-feira na Assembleia da República que todas as decisões tomadas no grupo nos últimos três meses, nomeadamente o plano de restruturação, “foram aprovadas por unanimidade” na CE, que inclui Marco Galinha, o anterior accionista maioritário. Fafe reafirmou ainda que, desde que chegou ao grupo, há cerca de três meses, “todos os dias” se deparou “com factos e negócios que mostram a forma leviana com o grupo foi gerido”.

Ouvido na Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, o administrador da GMG disse não saber quais os negócios que o grupo tem com a empresa Bel, de Marco Galinha, mas disse serem muitos. E acrescentou que algumas decisões sobre esses negócios foram tomadas quando Galinha estava na GMG. O grupo detém, entre outros órgãos de comunicação social, o Jornal de Notícias (JN), TSF, Diário de Notícias (DN), O Jogo ou Açoriano Oriental e DN Madeira.

Numa declaração inicial, Fafe manifestou a "angústia" que diz viver desde final de Dezembro por não conseguir processar salários aos seus trabalhadores. Aqueles que o conhecem, acrescentou, "sabem a angústia que eu vivo desde o final do mês passado, eu e a Comissão Executiva" pela impossibilidade de processar o pagamento dos salários de Dezembro, sendo que antes não tinha havido o pagamento do subsídio de Natal, salientou.

José Paulo Fafe referiu-se à saída de 150 a 200 trabalhadores dos diferentes títulos dos grupos para dizer que não está a fazer um despedimento colectivo. No entanto, se não forem conseguidas as rescisões amigáveis que entende serem necessárias à sustentabilidade do grupo, num programa de acordos que ainda se encontra em curso, terá que fazer um despedimento colectivo dessa ordem de grandeza.

Depois de Galinha ter revelado na comissão parlamentar, durante a manhã desta terça-feira, não ter sido ele quem convidou Fafe para presidente da GMG, o actual administrador afirmou que foi Galinha que o convidou a ir para o grupo, quando este se tornou accionista maioritário, em 2021. “Mais tarde não aceitou, porque achou que eu era muito caro”, referiu.

Acusado por alguns dos directores demissionários de estar a diminuir o valor dos jornais ao revelar números de vendas “mais baixos que os reais”, Fafe pegou no exemplo do JN, que entre 2019 e 2023 “teve uma quebra de vendas 7,8 mil exemplares”. Lembrou ainda que o jornal “é feito actualmente por 90 jornalistas e no total por 160 pessoas na área editorial”, que vende em média 14 mil exemplares por dia e que este ano vai ter um prejuízo de mais de 200 mil euros.

Também se referiu ao antigo director do JN e da TSF e ex-administrador Domingos Andrade, que também prestou declarações na comissão parlamentar, acusando-o de “ser um dos grandes responsáveis” pelo estado em que se encontra actualmente o JN. “Levou a cabo uma estratégia errada. Quis transformar um jornal que era uma referência a nível regional numa referência nacional. (…) Escancararam as portas ao Correio da Manhã, que só no Norte vende mais que o JN em todo o país”, afirmou.

José Paulo Fafe disse ainda que os deputados deviam ter chamado Proença de Carvalho, administrador que dirigiu o grupo antes da entrada de Marco Galinha em 2020. “Nessa altura torraram dinheiro. Descobri uma sala com um milhão de euros de equipamentos em vídeo no chão. Não digo que tenha sido Proença de Carvalho. Aí houve uma gestão muito pouco transparente, para não dizer danosa”, afirmou.

Fafe garantiu que o grupo está “a contratar jornalistas prestigiados” e a acabar “com falsos recebidos verdes”. “No GMG existem 160 falsos recebidos verdes”, admitiu.

Promessa de pagamento de salários nos próximos dias

O presidente da Global Media revelou que teve uma reunião com o fundo na segunda-feira e que teve "promessa" de uma transferência "até ao início da semana que vem" para pagar os salários em atraso.

"Ontem [segunda-feira] tive uma reunião com fundo e tive promessa de até início da semana que vem uma transferência que pague os salários que estão em atraso", anunciou o gestor. Mais tarde acabaria por afirmar que conta pagar o salário em atraso "entre segunda e terça-feira".

"E também tive a promessa do fundo de analisar a hipótese de fazer um pacote de ajuda extraordinária à Global Media", salientou.

Só "não paguei porque não tenho dinheiro, tenho feito tudo para poder pagar, tenho insistido com o fundo, já recebi propostas do empresário Marco Galinha", acrescentou, referindo que na semana passada "foram pagos os recibos verdes" de Outubro.

O grupo vai fechar o ano "com sete milhões de euros de prejuízo", acrescentou.

Fafe revelou ainda que recentemente recebeu uma proposta de Marco Galinha no valor de sete milhões de euros para comprar o JN e O Jogo.

A Global Media pagou na quinta-feira o subsídio de refeição referente ao mês passado e os salários aos trabalhadores nos Açores.

José Paulo Fafe garantiu que não se vai demitir do cargo que ocupa no grupo: “Não sou de virar a cara. Vão ter de levar comigo.” O administrador disse ainda desconhecer a quem pertence o fundo WOF, que detém a maioria do capital do GMG.

Ataque final a Andrade

Já no final da sua intervenção de mais de três horas, Fafe dedicou-a a um ataque directo a Domingos Andrade. “O senhor Domingos Andrade, quando nós fomos indicados para assumir a administração do fundo, recusou-se a sair da administração, exigindo uma indemnização de 130 mil euros, que eu, em nome do fundo, me recusei a pagar. E recusei pagar por uma única razão: o senhor Domingos Andrade não tinha qualquer remuneração enquanto administrador da GMG. Ele tinha um contrato de jornalista do quinto grupo em que auferia oito mil e oitocentos euros”, começou por afirmar.

Depois disse ter aceite duas exigências de Andrade: “Uma é aceitar o uso do [automóvel] Tesla, que custa 1800 euros à empresa até final de 2024 e, a seguir, manter o seguro de saúde que ele tinha. Quando, mais tarde, um administrador propôs ao senhor Domingos Andrade que trocasse esse carro por um veículo híbrido que já existia na frota com um valor de renting inferior ele não aceitou”, acrescentou.

Mas havia ainda mais uma acusação: “Quando se fala que havia várias acusações de pessoas que tinham carros eléctricos atribuídos pela Global Media e, ao mesmo tempo, recebiam cartão de combustível para encher carros de gasóleo, o senhor Domingos Andrade é um deles. Uma média mensal de 600 euros por mês em gasóleo.”

Troca de acusações

Antes de Fafe, esteve na comissão parlamentar Marco Galinha, antigo presidente da CE do GMG e ainda accionista do grupo. O empresário responsabilizou a actual administração pela crise vivida na empresa e afirmou ainda acompanhar “com perplexidade e profunda preocupação” a situação que pôs fim à “paz social na empresa” e redundou na “desvalorização pública do jornalismo e do GMG”.

Galinha acrescentou que o actual accionista maioritário não está neste momento “a cumprir com as suas obrigações” e que irá accionar “os mecanismos para garantir o que foi assinado”.

O GMG ainda não pagou aos trabalhadores o subsídio de Natal do ano passado, nem o salário de Dezembro, e os trabalhadores marcaram para esta quarta-feira uma greve geral.

Ao início da noite desta segunda-feira, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) anunciou uma intervenção na situação do grupo. Por um lado, a ERC abriu um processo administrativo autónomo para a aplicação do artigo 14.º da Lei da Transparência, isto é, por incumprimento de deveres de transparência. O regulador considera que “existem fundadas dúvidas sobre se, entre os detentores do WOF, existem participações qualificadas nos termos da Lei da Transparência”.

Também foi aberto um procedimento oficioso de averiguações para esclarecer três situações: se houve uma eventual alteração de domínio dos operadores de rádio não autorizada pela ERC com a entrada do accionista WOF; se houve uma modificação não aprovada pela ERC ao projecto da rádio TSF; bem como verificar as consequências da reestruturação em curso no GMG sobre o pluralismo e a preservação das linhas editoriais dos diferentes órgãos de comunicação social do grupo.

Notícia actualizada às 23h24 com novas declarações de João Paulo Fafe.

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