Vale a pena fazer um teste combinado à covid-19 e gripe? Só em fases em que a “dúvida é maior”

Autotestes combinados que detectam o vírus da covid-19 e da gripe estão no mercado há vários meses, mas especialistas dizem que são mais úteis quando as pessoas têm poucos ou nenhuns sintomas.

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A partir do momento em que os sintomas da covid-19 ou da gripe aparecem, as medidas de contenção são as mesmas LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Foi mais uma das heranças deixada pelos anos de pandemia: fazer um autoteste para perceber se estará infectado antes das reuniões de família e amigos, habituais no mês de Dezembro. No último ano, as empresas começaram até a desenvolver autotestes combinados, que permitem testar, com uma só amostra, a presença do vírus da covid-19, do vírus da gripe (influenza) e do vírus sincicial respiratório (VSR).

Desde o ano passado que estes produtos estão à venda em farmácias, parafarmácias e em supermercados e hipermercados, com preços que não ultrapassam os cinco euros, e há quem tenha utilizado esta táctica para perceber não só se está infectado, mas com que vírus está infectado. No entanto, dois especialistas ouvidos pelo PÚBLICO sublinham que os testes são mais úteis em fases em que as dúvidas são maiores, ou seja, em alturas em que as pessoas têm poucos ou nenhuns sintomas e não têm a certeza se estão doentes.

Bernardo Gomes, médico especialista em saúde pública, refere que os autotestes rápidos são uma "boa ideia", nomeadamente para fazer distinção de uma potencial infecção vírica e de dirigir, de alguma forma, um conjunto de cuidados para essa circunstância.

"O Natal fez uma espécie de mistura da população e fez com que seja possível infectar muito mais gente. Estamos neste momento a colher a consequência dos ajuntamentos natalícios. Nesta altura em que estamos numa fase claramente epidémica da gripe, os testes rápidos servem basicamente para fazer uma identificação daquilo que está a passar, para distinguir aquilo que é uma infecção por gripe, por VSR ou covid-19 e outras infecções respiratórias. No entanto, estes testes têm uma aplicabilidade maior em fases em que a dúvida é maior", refere.

Na prática, segundo explica Bernardo Gomes, a partir do momento em que os sintomas da covid-19 ou da gripe aparecem, as medidas de contenção são as mesmas. "Pensar na ventilação dos espaços como uma forma de evitar infecções e o papel judicioso da máscara, de forma voluntária. Se temos sintomas não devemos ter muitos contactos. Nesta altura, é preciso levar as coisas com o princípio da precaução".

Não colocando de lado a utilidade dos testes rápidos em alguns grupos da população, mais vulneráveis, o médico diz que, tendo sintomas, as pessoas devem assumir que estão com gripe.

"Tendo em conta a circulação actual do vírus da gripe, mesmo sem fazer o teste, devemos agir como se estivéssemos infectados. Há sempre a probabilidade de o teste não acusar e aquilo que devemos fazer perante sintomas é ficar resguardados", aconselha o especialista, que prevê que a situação só deverá normalizar-se dentro de duas semanas.

Miguel Castanho, investigador em bioquímica de vírus do Instituto de Medicina Molecular (IMM), lembra que, ao contrário dos testes à covid-19, amplamente utilizados, os autotestes à gripe "nunca se vulgarizaram nem entraram no quotidiano das pessoas".

"As pessoas habitaram-se a ter testes em casa, mas, do ponto de vista prático e imediato, saber se tem covid-19 ou se tem gripe não é muito relevante porque as medidas a adoptar devem ser as mesmas. No entanto, a pessoa pode ter curiosidade de descobrir para saber o que a espera em termos de curso da doença. A estirpe da gripe que agora é dominante tem uma característica que parece um bocadinho particular, que é a persistência da tosse e da fadiga."

O investigador afirma que quando os primeiros sintomas aparecem — febre, arrepios, dores de cabeça, dores de corpo — o que há a fazer é, de forma imediata, "proteger-se a si e proteger os outros" e, quando se justificar, contactar um médico. Os sinais de alerta que podem significar que deve dirigir-se às urgências são a febre persistente e elevada, dificuldades respiratórias ou dores fortes na cabeça ou no peito, por exemplo.

Miguel Castanho afirma ainda que os sinais de que alguém precisa de se dirigir às urgências de um hospital "deveriam ser ditos mais explicitamente às pessoas" para evitar que estes serviços fiquem sobrecarregados. "A população não distingue o que é urgente do que não é e, quando precisam de ajuda, acabam por ir às urgências. No caso das pessoas com doenças crónicas ou respiratórias, devem tentar controlar a febre e a inflamação e recorrer às urgências se houver indicação médica ou do SNS24 para tal."

Portugal está em fase epidémica gripal, segundo o boletim de monitorização da gripe publicado semanalmente pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa). Desde o dia 2 de Outubro até 17 de Dezembro, os laboratórios da rede nacional já notificaram 27.988 casos de infecção respiratória e 2607 casos de gripe. Até ao momento, 26 pessoas tiveram de ser internadas nos cuidados intensivos.

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