O que descobri, aos 37 anos, depois de entrar num curso de Teatro Musical

És uma lição constante de como nunca é tarde demais para nos reinventarmos. O entusiasmo com que descobres paixões, antigas ou novas, e as persegues, é inspirador.

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"Nunca é tarde demais, mesmo. Fui ridícula em pensar que já tinha passado o prazo de validade aos 18 anos" EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN

Querida Mãe,

Como sabe, entrei este ano — a meio do primeiro semestre e com os meus, já não assim tão novos, 37 anos —, para um curso de Teatro Musical. O meu sonho desde sempre. Um sonho que, aos 18 anos, julguei que já era “velha demais para perseguir”. Não é absurdo? Agora que lá estou com todas as minhas colegas de 18-20 anos percebi várias coisas que queria partilhar consigo:

1. A julgar pela minha amostra, esta nova geração é incrível (e sim, a escola é espantosa, mas acredito que podemos generalizar). São altamente talentosos, muito conscienciosos, apoiam-se uns aos outros, espantosamente honestos sobre as suas dificuldades e saúde mental. São apaixonados e trabalhadores.

2. Se um jovem adulto sabe mesmo o que o apaixona, não vale a pena convencê-lo a “ir fazer outro curso primeiro” (lembre-me desta quando as gémeas forem mais velhas). É uma lógica que esteve presente na sua e na minha geração, mas, na verdade, e da forma como o mundo muda, é uma perda de tempo, e mais, uma perda de oportunidades. Porque é nessa fase da vida, em que ainda não têm tantas obrigações, que podem arriscar, que podem fazer contactos, que podem aceitar trabalhos duros e exigentes, mas que lhes enriquecem o currículo. E, como é óbvio, terão muito mais probabilidades de arriscar tudo isto, se adorarem o que fazem.

3. Nunca é tarde demais, mesmo. Fui ridícula em pensar que já tinha passado o prazo de validade aos 18 anos, mas, por outro lado, faço as pazes com o passado, porque agora tenho a sorte de ter quatro filhos e posso, na mesma, passar um dia inteiro a ir de aula em aula como uma criança na Disney! Por outro lado, contar com uma maior experiência de vida facilita-me muito algumas das aprendizagens.

4. As pessoas de 18-20 anos não precisam de aquecer ou alongar tanto o corpo antes de uma aula de dança jazz. É assim. É um facto. O que significa que tenho mais dores e fico mais partida. Vou aceitar.

5. A escola é espectacular e parece-me que a mãe ainda tem uma vaga!

Vem? Ou se não for neste curso, qual é aquele em que em 2024 se vai inscrever, e que achava que era tarde demais para si?


Querida Ana,

Sei que se pode pensar que sou só uma mãe cega pela admiração pela filha, mas acho que de cega não tenho nada: és uma lição constante de como nunca é tarde demais para nos reinventarmos. O entusiasmo com que descobres paixões, antigas ou novas, e as persegues, é inspirador.

Quanto a mim, tenho uma sorte enorme, que constato de cada vez que entro na redacção de um jornal, como aconteceu há dias quando fomos ao PÚBLICO gravar mais uns episódios do podcast Birras de Mãe: não queria mesmo ter outra profissão.

Posso ter mais vontade de explorar uma vertente do que outra, de trabalhar fisicamente num lugar rodeada de mais gente, ou mais sozinha, mas é sempre no jornalismo que começo e acabo. O jornalismo que vai ao encontro das pessoas e das suas histórias, que nos permite ir “calçando os sapatos” dos outros, seja os de um astronauta ou de um prisioneiro, de um cientista ou de um cantor de ópera, de uma mulher que enfrenta o caminho cruel da infertilidade ou de um líder político que se dedica a tentar mudar o mundo.

Agora que penso nisso, talvez os jornalistas sejam um bocadinho Robin dos Bosques, que “roubam” a alguns, para distribuir por todos, mas se assim conseguirem combater o mal e espalhar a luz, é uma vida bem empregue. Não escolhia outra.

Quer dizer... Pensando bem, a tua carta acordou em mim o desejo antigo de me inscrever num curso de Medicina. Na realidade, devia haver a possibilidade de um exame final ad hoc, porque, na prática, tenho-a exercido com enorme consistência e desvelo, de forma abnegada e com um número considerável de horas extraordinárias. E, mais, ao contrário de alguns “colegas” oiço o doente, e ainda não matei a curiosidade.

Mas voltando a ti — quando temos espectáculo?

Bom Ano, querida Ana.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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