Partidos de nomes trocados

Portugal tem os nomes dos partidos trocados e a descaírem para a esquerda, apenas nominalmente, em dominó. Bloco de Esquerda e PCP não passam de partidos sociais-democratas.

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O nosso país tem um atraso de desenvolvimento que é histórico, tendo sobrevivido pela parasitagem das colónias, com muito analfabetismo e atraso dos próprios patrões, dos quais os mais ricos vivem de actividade mercantil. Passarão uns anos até as novas gerações instruídas e cosmopolitas entrarem na engrenagem económica, como entraram na medicina e na investigação.

Todavia, se não lhe bastasse isso, tem os nomes dos partidos trocados e a descaírem para a esquerda apenas nominalmente, em dominó. Foi assim que fundado na euforia da revolução de 1974, o Partido Popular Democrático passou a chamar-se Partido Social Democrata (PSD) em 1976, na ideia de integrar a Internacional Socialista. Mas já lá estava o Partido Socialista (PS), fundado em 1973. No entanto, muitos votantes do PSD, num país com pouca ilustração política, julgam de facto que o nome corresponde aos objectivos da organização. E muitos votantes do PS julgam que estão a votar "socialista", mas estão a arrastar velhas tradições republicanas, pela liberdade.

O Centro Democrático Social (CDS), sendo claramente de direita, ficou pois com o "Centro", com qualquer coisa à sua direita, que ficou a chamar-se, quando convém, centro-direita. À esquerda do PS estão o Bloco de Esquerda e o PCP. Esses sim, não passam de partidos sociais-democratas. Olhemos para a tradição dos partidos sociais-democratas dos países escandinavos. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista nos seus discursos e propósitos ficam aquém dos objectivos atingidos naqueles países, onde os serviços de saúde e de educação são exclusivamente públicos e onde o direito à habitação é regulado publicamente. Neles também a presença do Estado, nas empresas, como seja na produção de petróleo, é fortemente protegida

O BE e o PCP protestaram contra a privatização dos CTT e dos telefones, lutam por melhores salários dos trabalhadores, têm procurado defender o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a manutenção pública da educação e da companhia aérea (TAP). “Extremistas”? Estão um furo abaixo dos clássicos partidos sociais-democratas, aliás herdeiros do primeiro partido formado na Europa com esse nome, no século XIX, pela força e pelo sonho dos trabalhadores. “Extremistas”? Ainda ninguém os viu, furiosos a assaltar postos dos correios, da Galp, da Telecom ou a atacar aqueles que são felizes e ricos porque há outros que são pobres e infelizes (a frase é de Victor Hugo).

Um país em contra-ciclo

No meio deste dominó, a emergência revolucionária portuguesa caiu no contra-ciclo da Europa e do mundo. Thatcher foi eleita em 1979 e Reagan em 1980. A partir daí há de facto dois conceitos. O da livre concorrência, do mercado, da “meritocracia”, do individualismo, da negação do colectivo, que é hegemónico na Europa e no Mundo. E o daqueles que ainda defendem o Estado Social, aquele que se baseia em orçamentos do Estado em que os impostos servem para manter serviços públicos de educação, de saúde, de transportes e de habitação. Igual para os “vencedores” e para os frágeis, para as crianças e para os idosos, para os saudáveis e para os doentes. Para os seres humanos.

É preciso ter muita “lata” para o antigo dirigente do PSD Aníbal Cavaco Silva falar em “social-democracia moderna”. O que será isso? Onde é que vem escrito? A lei do SNS (lei Arnaut) foi aprovada em Setembro de 1979 e logo em 1980 apanhou a Aliança Democrática, em 1981 o Bloco Central e de 1985 a 1995 os governos de Cavaco Silva, que criaram a Lei da Saúde de 1990 e o Estatuto de 1993, portas abertas para que florescesse a indústria da saúde graças ao fluxo financeiro saído do orçamento do SNS. Este foi descendo no total e só veio a subir em 2005. Para em 2011 vir a descer, gravemente no público, mas mantendo o fluxo para o privado.

É esta a “social-democracia moderna”. O nome é neoliberalismo, que, apesar disso, apela ao Estado para financiar a “economia”. E é neste quadro que o Partido Socialista se tem movido, tal como o de Espanha, tal como o Partido Social-Democrata da Alemanha, tal como o Partido Trabalhista do Reino Unido, temerosos do pensamento hegemónico, sem ousarem ser eles próprios sociais-democratas. Enquanto a pobreza dos que trabalham, a degradação dos bairros, a sensação dos que estão em baixo porque outros estão por cima, o ambiente judicialista, a corrosão de parte das urgências hospitalares vai engendrando monstros – assim nascem e crescem os inomináveis.

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