Libertem os Pais Natais em cativeiro

Os Pais Natais dos centros comerciais estão abafados em roupas quentes de mais para o habitat artificial onde os colocaram, quietos e parados em lugar de estarem a organizar o trabalho dos duendes.

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EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Ana,

Venho pedir a libertação dos Pais Natais em cativeiro, com a mesma convicção com que os activistas exigem que os golfinhos dos parques temáticos sejam devolvidos ao mar, ou os leões dos jardins zoológicos à selva.

Os Pais Natais dos centros comerciais estão abafados em roupas quentes de mais para o habitat artificial onde os colocaram, quietos e parados em lugar de estarem a organizar o trabalho dos duendes, e obrigados a suportar os flashes dos pais e avós babados que, basicamente, só querem apanhar os filhos e netos na fotografia.

Ana, por alguma razão o Pai Natal vive no Pólo Norte, o mais longe possível das multidões, e não é seguramente por acaso que exige cartas, pedidos por escrito — sabe perfeitamente que as crianças quando estão frente a frente com um desconhecido ficam tão envergonhadas que não conseguem balbuciar mais do que banalidades. E os seus desejos mais secretos perdem-se.

Muito a sério, como crente absoluta no verdadeiro Pai Natal — que é só um! —, acho que estes clones prestam um mau serviço à magia. Das duas, uma, ou as crianças percebem que são uma fraude, e isso entristece-as e, se calhar, até ficam mais cépticas em relação a tudo; ou acreditam, o que é igualmente dramático porque, a partir daí, imaginam-no um obeso sedentário, que se presta aquela palhaçada. Uma criatura tão banal, que até as perguntas que faz, parecem saída da boca dos pais — “Tiveste boas notas?”, “Portaste-te bem?”, sem uma centelha de mistério.

Tenho dito.


Querida Mãe,

Sinto o mesmo, mas depois os meus filhos ficam tão excitados quando os vêem, mesmo sabendo que não são “O” verdadeiro, que não sei se consigo subscrever a sua birra.

Fiquei a pensar porque é que gostam tanto, e conclui que talvez seja porque ficam felizes de ver um adulto mascarado! E, sobretudo, por sentirem que os pais alinham naquela brincadeira. Talvez ver os adultos a brincar ao faz-de-conta, pelo menos uma vez por ano, seja fonte de satisfação só por si!

E, mãe, dão logo um “ar de Natal”, e as tradições e os rituais são muito mais importantes do que julgamos, provavelmente mais ainda para aqueles que não são cristãos, e não têm outros para marcar este tempo.

A verdade é que estes passeios em família, por exemplo ao Reino do Natal, em Sintra, ou a outros lugares assim, com a espera na fila, em que vamos conversando com outros pais, as caras pintadas (de renas), a selfie com o Pai Natal, os duendes que nos cumprimentam pelo caminho, e a música — as canções de Natal são fundamentais — dão-nos uma sensação de comunidade, de estarmos todos a viver juntos um tempo especial. Por isso, mãe, desta vez não subscrevo a sua birra — por mim, os Pais Natais ficam!


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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