Poluição dos combustíveis fósseis mata 5,1 milhões de pessoas todos os anos

Os benefícios para o clima e para a saúde pública global de deixar de usar carvão, petróleo e gás devem estar no topo da agenda na cimeira do clima, a COP28, que começou esta semana.

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Trânsito matinal em Pequim: produção de energia e transportes são as principais fontes de poluição atmosférica OLIVIER HOSLET/EPA
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A poluição do ar relacionada com a queima de combustíveis fósseis é a causa de 5,1 milhões de mortes em excesso anuais em todo o mundo, conclui um estudo publicado nesta quarta-feira na revista British Medical Journal (BMJ). É mais do que o calculado em anteriores estimativas, o que leva os cientistas a alertar que o impacto positivo na mortalidade e na saúde de pôr fim ao uso de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, poderá ser ainda maior do que se pensava.

Em 2019, houve um total de 8,3 milhões de mortes anuais em todo o mundo devido à poluição por partículas PM2,5 e ozono na camada mais baixa da atmosfera. Os 5,1 milhões de mortes em excesso relacionadas com os combustíveis fósseis representam 61% deste total.

“Os nossos resultados evidenciam que a mortalidade é particularmente elevada no Sudeste e Sul da Ásia, devido aos altos níveis de poluição e de densidade populacional”, escreve a equipa que desenvolveu um novo modelo de análise. Nesta região vive 55% da população mundial, e ali verifica-se 70% da mortalidade relacionada com a poluição do ar.

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Para apurar estes valores, a equipa desenvolveu um novo modelo para estimar todas as causas de morte e, especificamente, as relacionadas com a poluição por combustíveis fósseis. A poluição do ar é o principal factor de risco ambiental para doença e morte, mas poucos estudos feitos a nível global atribuíram os óbitos a fontes de poluição específicas, diz um comunicado de imprensa do BMJ sobre o artigo, que é assinado à cabeça por Jos Lelieveld, do Instituto Max Planck de Química (Alemanha).

Os cientistas, de vários laboratórios europeus e norte-americanos, usaram dados do estudo Carga Global de Morbidade de 2019 (que analisa a mortalidade e incapacitação causada por 107 doenças e dez factores de risco para avaliar quais as doenças com maior incidência a nível global), bem como observações de satélites da NASA da poluição de partículas atmosféricas e química da atmosfera.

O objectivo era conseguir contabilizar o excesso de mortalidade (ou seja, as mortes acima do que seria de esperar num determinado período) em 2019 relacionadas com a poluição atmosférica causada pela queima de combustíveis fósseis. Foi assim que chegaram ao valor de 5,1 milhões relacionadas com o uso destes combustíveis.

Mais de metade (52%) da mortalidade devido a poluição do ar deve-se a doenças cardiometabólicas, como isquemia cardíaca, e pode levar a um ataque cardíaco (30%), acidente vascular cerebral (AVC, 16%) e diabetes (6%). Mas a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é também uma consequência importante da exposição crónica à poluição, representando cerca de 16% da mortalidade, escrevem os autores do artigo.

No entanto, uma grande proporção destas mortes seria evitável, pois está relacionada com emissões que têm origem na actividade humana – produção de energia e transportes, além de vários tipos de indústria, sublinham os cientistas.

Aliviar sistemas de saúde

A mortalidade, no entanto, é apenas uma parte da história. Se melhorássemos a qualidade do ar, seria possível aliviar o peso social de várias das principais doenças que afligem a humanidade, notam, num comentário ao trabalho, três autores nórdicos (dois finlandeses e um norueguês). Evitar consultas e tratamentos seria também um alívio para os sistemas de saúde sobrecarregados, destaca o artigo, que tem como primeiro autor Heli Lehtomäki, do Instituto Finlandês para Saúde e o Bem-Estar.

“Há cada vez mais provas de que a poluição atmosférica provoca inflamação sistemática e stress oxidativo, que leva à deterioração da saúde cardiovascular e respiratória, e tem efeitos adversos no sistema nervoso, metabolismo e na saúde mental e reprodutiva”, assinala o artigo.

Levando em conta que o Acordo de Paris estabelece como objectivo que se chegue em 2050 à neutralidade climática (quando uma quantidade equivalente aos gases de efeito de estufa emitidos igualar os que são retirados da atmosfera, através de vários processos, como plantar florestas), os cientistas sublinham que a próxima cimeira do clima das Nações Unidas (COP28), que se iniciou na quinta-feira, no Dubai, é uma oportunidade de ouro para os governos acordarem o abandono dos combustíveis fósseis e acelerarem o investimento em energias limpas e renováveis.

“Substituir os combustíveis fósseis por fontes de energias renováveis teria tremendos benefícios tanto para a saúde pública como para o clima”, destacam os autores do artigo que estima a mortalidade devido a estes combustíveis. “Os benefícios para a saúde deveriam estar bem no topo da agenda” da COP28, recomendam.

“Os benefícios de abandonar os combustíveis fósseis para a saúde global, bem como para o ambiente, devem ser reconhecidos e ter um papel fundamental nas discussões na COP28”, recomendam os autores do comentário no BMJ. O tema deve estar “bem no topo da agenda”, salientam os investigadores que estimaram o peso da mortalidade relacionada com estes combustíveis.

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