Palcos da semana: Portals, cadeiras, Ink, um morcego e seus amores
Vêm aí As Cadeiras segundo Gábor Tompa, Ink por Dimitris Papaioannou, a pop retorcida de Melanie Martinez, teatro a partir de Couto e Agualusa, e O Morcego a abrir a festa no Tivoli.
Portals para sonhos retorcidos
Há pouco mais de uma década, era só mais uma voz adolescente a sobressair num concurso televisivo. Não tardou a crescer para estrela. Na peugada de artistas como Björk, mas num trilho próprio, Melanie Martinez foi compondo um intenso e mutante universo visual que as canções (e os concertos) não dispensam. Nutre-o com o difícil, o bizarro, o surreal, o lado negro da pop.
Portals, o terceiro álbum (e motivador desta digressão), vem dessas entranhas. Na capa, a norte-americana surge como uma Vénus de Botticelli a (re)nascer. Só que tem quatro olhos, rosto felino e orelhas alienígenas, num reino de cogumelos que se oferece cor-de-rosa, mas onde as fadas têm picos e andam de facas. Death foi, aliás, a primeira canção que deu a ouvir.
Dueto ou duelo?
Num palco mergulhado no breu, a água esguicha, jorra, inunda. Debaixo da chuva incessante, dois corpos vão escorregando em desafio, confronto e (des)amparo. Um está despido e vulnerável. O outro, vestido de negro, tenta contê-lo. Estão numa dança poética de luz e sombras. É solo fértil para simbolismos e metáforas, capaz de convocar conceitos como morte, liberdade, o lado obscuro do desejo, a energia vital ou os abismos da mente.
Chama-se Ink e é mais um espectáculo com o cunho do grego Dimitris Papaioannou, o criador inquieto e multiforme a quem devemos peças como Still Life, O Grande Domador ou Transverse Orientation. Papaioannou, que o interpreta com o bailarino Suka Horn, concebeu-o em 2020. Chega agora ao Porto, em estreia nacional.
Faça o favor de se sentar
O encenador Gábor Tompa, que em 2021 estreou uma visão de À Espera de Godot, de Samuel Beckett, a desafio do Teatro Nacional de São João, está de regresso com mais uma incursão ao teatro do absurdo. Só que o mestre é outro. E a companhia também.
Em cena, pelo Teatro Nacional do Luxemburgo, estão As Cadeiras de Eugène Ionesco, a farsa trágica em que as palavras se jogam na solidão e na alienação do crepúsculo de um dia (ou da vida). É protagonizada por um velho casal de nonagenários que está determinado a passar uma mensagem urgente e salvadora, para uma plateia que vai ficando cada vez mais apinhada aos seus olhos – apesar de, na verdade, estar sempre vazia.
Um morcego ao centenário
No exacto dia em que celebra o 99.º aniversário, o Tivoli dá início à comemoração do seu centenário, que vai durar um par de anos e acolher cerca de 250 espectáculos de todo o tipo, boa parte deles em articulação com outras instituições culturais de Lisboa.
Para começar, deixa entrar O Morcego, de Johann Strauss II, uma das mais célebres e programadas obras da grande tradição da opereta vienense. Vai pela mão do Teatro Nacional de São Carlos, em versão de concerto. A obra, que fez sucesso desde a estreia, em 1874, conta as aventuras e desventuras de um burguês que tem de lidar com o plano de vingança de alguém que ridicularizou no passado.
Fortuna à bruxa
Baltazar Fortuna é um homem zangado com as mulheres, que culpa pelos seus infortúnios. Para acabar de vez com o azar, resolve que há-de matar, uma por uma, três mulheres do seu passado. Só que elas têm outras ideias... E a história há-de dar voz à sua perspectiva dos acontecimentos.
O conto Chovem amores na rua do matador, escrito a quatro mãos pelo moçambicano Mia Couto e o angolano José Eduardo Agualusa, já teve honras de palco e integrou o primeiro livro que redigiram juntos, O Terrorista Elegante e Outras Histórias. Agora, é levado à cena pelo grupo eborense A Bruxa Teatro, com encenação de João Guisande.