Binance perde fundador, que se declara culpado, e aceita multa estratosférica

Changpeng Zhao abandona plataforma de criptoactivos, depois de admitir que facilitou lavagem de dinheiro por parte de terroristas e criminosos. A empresa assume coima de 4300 milhões de dólares.

Foto
Changpeng Zhao, de 46 anos, é natural da China e tem nacionalidade canadiana. A sua fortuna de mais de 10 mil milhões de dólares continuará intacta Reuters/BENOIT TESSIER
Ouça este artigo
00:00
05:49

A Binance, maior plataforma mundial de criptomoedas, ficou sem o seu fundador e presidente, depois de este ter anunciado que se dava como culpado no âmbito de uma investigação a lavagem de dinheiro nos EUA. Changpeng Zhao, de 46 anos, natural da China, mas com passaporte do Canadá (onde passou a viver aos 12 anos), aceitou declarar-se culpado no contexto de um acordo judicial que envolve o pagamento de uma multimilionária coima de 4300 milhões de dólares, segundo revelaram procuradores envolvidos na investigação e citados pela agência Reuters.

É a maior multa alguma vez aplicada nos EUA a uma empresa de serviços financeiros, há muito sob investigação. Ao abrigo desse acordo, o próprio fundador da Binance pagará 50 milhões de dólares. É também mais um duro golpe para a indústria dos criptoactivos, depois do escândalo que levou à queda da FTX e à condenação do seu fundador, Sam Bankman-Fried, talvez o principal concorrente da Binance e de Changpeng.

Analistas norte-americanos ouvidos pela mesma agência consideram que este acordo é uma boa saída para o empresário da Binance, que mantém a sua riqueza intacta e permitindo-lhe conservar a sua participação na plataforma fundada em 2017.

De acordo com a acusação, a Binance violou leis norte-americanas contra a lavagem de dinheiro e não reportou mais de 100 mil transacções suspeitas com organizações que, segundo os EUA, são grupos terroristas. O lote incluirá o Hamas, a Al-Qaeda e o autoproclamado Estado Islâmico (ISIS).

Além disso, a plataforma também nunca reportou as transacções com sites que comercializavam materiais envolvendo abuso sexual de menores e que era um dos principais destinos de receitas provenientes de ciberataques, designadamente por ransomware, através dos quais hackers entram e tomam controlo de computadores e redes privadas, de pessoas ou empresas, e exigem o pagamento de resgates para devolver o controlo dessas máquinas.

"A Binance permitiu vida fácil a criminosos que movimentavam fundos roubados ou de proveniência ilícita na sua plataforma", disse o procurador-geral Merrick Garland. "A Binance não só violou leis federais, como também fingiu que queria cumprir a lei."

Foto
Procurador geral dos EUA, Merrick Garland (esq.) e Janet Yellen, secretária do Tesouro (atrás, ao centro) juntaram-se ao Departamento de Justiça durante a conferência de imprensa em que foram anunciadas as medidas do acordo com a Binance, que envolve o pagamento da maior multa de sempre aplicada a uma empresa de serviços financeiros nos EUA EPA/MICHAEL REYNOLDS

O Departamento de Justiça dos EUA, que negociou o acordo com o regulador do mercado de futuros e opções (a CFTC) e o Departamento do Tesouro, procura ainda pena de prisão efectiva, de 18 meses, para Changpeng. Outro responsável da plataforma, Samuel Lim, foi também acusado pela CFTC.

A empresa pagará 1810 milhões de dólares no prazo de 15 meses, entregando mais 2510 milhões de dólares que foram confiscados, segundo as autoridades. O empresário, conhecido globalmente pelas iniciais CZ (do seu nome), declarou-se culpado num tribunal de Seattle, na terça-feira à tarde. Confirmou publicamente a sua demissão numa mensagem publicada na rede X. "Hoje deixei o cargo de CEO da Binance. É certo que, emocionalmente, não está a ser fácil largar. Mas sei que é a decisão acertada. Cometi erros e tenho de assumir a responsabilidade. É a melhor decisão para a nossa comunidade, para a Binance e para mim próprio", escreveu.

Nessa longa mensagem anuncia ainda que será substituído por Richard Teng, até aqui responsável de mercados regionais na plataforma.

Há muito que as autoridades tentavam apertar o controlo sobre CZ e a Binance, que esteve a ser investigada durante anos. A saída algo dramática deste empresário levanta agora uma série de interrogações sobre o futuro das plataformas de criptoactivos, tendo em conta que CZ era uma das figuras de topo dessa indústria.

"Estas decisões reconhecem a responsabilidade da nossa empresa por estas violações criminais e permitem-nos mudar de página", alega por seu lado a empresa num comunicado próprio de cariz institucional. O novo CEO afirmou, entretanto, noutra nota pública, que a sua prioridade para já é "sossegar os utilizadores e clientes de que podem continuar a confiar na força financeira e na segurança da empresa".

"Este acordo parece feito para dar à Binance uma hipótese de sobrevivência, apesar de retirar CZ", disse um analista à Reuters. No entanto, o fundador da plataforma parece que vai manter a sua participação social na Binance, pelo que poderá continuar a influenciar o negócio que fundou e sobre o qual exaltava o caminho extraordinário que fez em poucos anos de vida, comparando-a aos bancos mais sólidos do mundo, exemplos de uma indústria que precisou de 200 anos para chegar onde chegou.

De acordo com a revista Forbes, a fortuna de CZ ascende a 10.200 milhões de dólares. A multa de 50 milhões não chega a representar 0,5% dessa fortuna.

O gestor sai deste processo "bastante bem" tendo em conta a gravidade das violações e o peso dos agentes envolvidos, avalia outro analista ouvido pela Reuters, explicando que esta terá sido a solução possível dado que o Governo dos EUA teve de convencer CZ a ir aos EUA para este processo, mediante alguma contrapartida.

"Ele continua a ter uma gigantesca riqueza. Não deverá passar muito tempo numa prisão nos EUA. Mantém ainda a sua participação na Binance, que agora vê resolvido alguns dos seus maiores problemas legais", avalia a mesma fonte.

Sem estas contrapartidas, talvez não fosse possível julgar o empresário, frisa Jeffrey Cohen, professor de Direito na Boston College Law School e antigo procurador federal.

A Binance estava sob investigação desde 2018. Em 2020, as autoridades exigiram registos internos sobre as suas práticas de prevenção de lavagem de dinheiro, bem como as comunicações de CZ.

Em Março, a CFTC entregou queixas de foro civil contra a Binance, alegando que esta tinha falhado na aplicação de medidas contra a lavagem de dinheiro e na prevenção de financiamento do terrorismo.

O responsável pelo cumprimento e respeito às normas saberia, desde Fevereiro de 2019, que o grupo palestiniano Hamas estaria a processar transacções através daquela plataforma. Samuel Lim teria descrito estas operações a alguns colegas dizendo que se tratava de transacções em pequenas quantias, para não darem nas vistas.

A dimensão da multa neste caso é vista como um exemplo do compromisso de Washington com a regulação do sector cripto.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários