Tempestades complicam “situação catastrófica” dos migrantes em Calais

Cerca de 4000 pessoas estão em Calais e Dunquerque em condições precárias e as associações que lhes prestam apoio acusam o Governo francês de inacção.

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A região de Pas-de-Calais tem sido continuamente afectada por precipitação forte Reuters/PASCAL ROSSIGNOL
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A chuva ainda não deu descanso ao Norte de França, que desde o fim de Outubro tem assistido a um cortejo de tempestades que provocaram milhares de inundações e prejuízos calculados em muitos milhões de euros. As autoridades retiraram mais de mil pessoas das suas casas só na região de Pas-de-Calais, onde escolas e pavilhões desportivos foram temporariamente convertidos em abrigos de emergência.

Especialmente vulneráveis a uma situação meteorológica considerada “histórica” estão os muitos migrantes que esperam na região por uma oportunidade para atravessar o canal da Mancha. Na semana passada, 12 associações que dão apoio a estas pessoas escreveram uma carta aberta em que denunciam a “situação catastrófica” em que muitos se encontram, “sem acesso nem a alojamento nem a serviços essenciais”, como água potável, duches ou alimentos.

No início de Novembro, quando a tempestade Ciarán passou por França, as autoridades de Calais disponibilizaram alojamento a 687 migrantes durante duas noites. A iniciativa não voltou a repetir-se, apesar de as associações terem pedido que pelo menos as mulheres grávidas e as crianças fossem acolhidas. Além disso, escreveram na carta, são pelo menos 1500 os migrantes que “(sobre)vivem nos acampamentos de Calais”, pelo que “seriam necessários o dobro dos lugares”.

“Não tenho uma única peça de roupa seca”, queixa-se um migrante originário do Sudão, Mohamed, ao jornal ambiental francês Reporterre. Vive num acampamento improvisado junto ao hospital da cidade, praticamente nos arredores, que o artigo diz estar transformado numa “enorme poça de lama onde estão umas escassas tendas que servem de abrigo insignificante contra a humidade e o frio”.

Calais e Dunquerque são há anos cidades de chegada para milhares de albaneses, iranianos, afegãos, sudaneses e iraquianos que, dali, tentam alcançar a costa britânica em embarcações precárias que, muitas vezes, não resistem às más condições de navegação na Mancha. França e Reino Unido têm em vigor um acordo para reforçar a presença policial em ambos os lados e evitar as travessias, mas o ritmo não abranda – está, aliás, a aumentar.

O Governo britânico divulgou esta terça-feira que, entre Junho de 2022 e Junho deste ano, 44.460 migrantes tentaram entrar no Reino Unido em pequenas embarcações que atravessaram o canal. É um crescimento de 26% face ao período entre Junho de 2021 e Junho de 2022 e um número maior do que as chegadas registadas em todo o ano passado.

Mesmo as tempestades em França não impediram as travessias. A 12 e a 16 de Novembro, mais de mil migrantes empreenderam a viagem.

“É uma sorte ainda ninguém ter morrido”, disse ao The Guardian Alex Gaudinat, responsável da associação Utopia 56, que subscreveu a carta. Segundo ele, o mau tempo tornou mais difícil as travessias e, por isso, há um número considerável de migrantes em Calais e Dunquerque – as estimativas apontam para 4000. “Estamos a alertar, porque vai acontecer um drama, um acontecimento verdadeiramente trágico, se nada for feito”, acrescentou.

“É urgente, é vital, que soluções de alojamento possam ser encontradas para estas pessoas”, pedem as associações. Defendem igualmente que as autoridades “suspendam imediatamente” as expulsões sistemáticas dos migrantes dos acampamentos improvisados. “Estamos numa situação de emergência e pedimos que se encontrem soluções para que a segurança física, a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas exiladas sejam respeitados”, diz a carta.

Até agora, o Governo francês não reagiu publicamente à missiva. É algo que não surpreende Juliette Delaplace, do Socorro Católico em Calais. Ao Reporterre, afirmou que “esta vontade de não fazer nada” deve-se a um receio de que “as pessoas se ‘instalem’ em Calais”.

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