Metade dos países com ondas de calor não tem sistema de aviso precoce

Organização Meteorológica Mundial diz que apenas 54% dos países afectados pelo calor extremo têm acesso a serviços de aviso precoce. Crise climática pode reverter progressos feitos até agora na saúde.

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Onda de calor que assolou Roma, na Itália, em Julho deste ano REMO CASILLI/REUTERS
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Só metade dos países afectados pelo calor extremo têm acesso à informação produzida por serviços de aviso ou alerta precoce, revela o relatório anual da Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgado esta segunda-feira. Esta lacuna é particularmente grave se consideramos que, de todos os fenómenos climáticos extremos, as ondas de calor causam a maior taxa de mortalidade.

“Estima-se que houve globalmente 489 mil mortes por ano associadas ao calor extremo no período entre 2000 e 2019, sendo que 45% desse total corresponde à Ásia e 35% à Europa”, afirmou Joy Shumake-Guillemot, do departamento de clima e saúde criado pela OMM em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O relatório anual, apresentado numa conferência de imprensa esta segunda-feira, em Genebra, menciona ainda que tais impactos estão subestimados, uma vez que a mortalidade relacionada com o calor pode até ser 30 vezes superior às estimativas actuais.

“Praticamente todo o planeta sofreu ondas de calor este ano. O início do El Niño em 2023 aumentará muito a probabilidade de quebrar ainda mais recordes de temperatura, provocando calor extremo em muitas partes do mundo e nos oceanos – e tornando o desafio ainda maior”, afirma o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.

Taalas reconheceu que o facto de só 54% das nações terem informação prévia sobre ondas de calor constitui “uma grande limitação”, sobretudo em África ou em países insulares. Lembrou, contudo, que a iniciativa internacional Alertas Prévios para Todos pretende, até 2027, colmatar essa lacuna.

A inovação poderá permitir que todos os decisores políticos e profissionais de saúde possam agir atempadamente para proteger a população. Medidas como a disponibilização de abrigos climatizados ou o envio de mensagens à população (e exemplo do que é feito em Portugal pela Protecção Civil), podem evitar mortes desnecessárias.

Ao longo de 75 páginas, o relatório anual sobre o estado dos serviços climáticos transmite uma mensagem muito clara: a crise climática pode deitar por terra décadas de progresso na área da saúde e do bem-estar, sobretudo nas comunidades mais vulneráveis. E, embora haja no planeta ciência e recursos para evitar que isso aconteça, muitas vezes estas soluções não estão acessíveis ou não são utilizadas.

Quase três quartos dos serviços meteorológicos fornecem dados climáticos ao sector da saúde, mas a utilização ainda é limitada. Em todo o mundo, menos de um quarto dos ministérios da saúde possui um sistema de vigilância baseado em dados meteorológicos para monitorizar os riscos de doenças associadas ao clima.

“A maioria dos investimentos hidrometeorológicos claramente não são feitos para garantir resultados na área da saúde. Isso precisa mudar”, refere um comunicado da OMM, que contou com a participação de mais de 30 entidades internacionais na elaboração do relatório.

Da poluição às doenças infecciosas

O documento destaca a importância dos serviços de monitorização do mar e da atmosfera na gestão de outras questões de saúde, como a má qualidade do ar, a mudança dos padrões de doenças infecciosas e a insegurança alimentar e hídrica. Juntos, todos estes desafios podem colocar uma pressão enorme em sistemas de saúde que, em muitos países, já estão sobrecarregados.

Ao longo da última década (2012-2021), mais 29% de área terrestre global foi afectada por secas extremas, durante pelo menos um mês por ano, do que em 1951-1960. Os impactos da seca hidrológica e das ondas de calor estão associados a mais 98 milhões de pessoas a relatar em 2020, nos 103 países analisados, situações de insegurança alimentar moderada a grave, refere o relatório.

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Reino Unido emitiu avisos meteorológicos por ocasião da passagem da depressão Ciaran Andy Rain/LUSA

Além da degradação ambiental lenta – como a subida dos níveis de poluição atmosférica –, há que ter em conta as catástrofes naturais súbitas, como ciclones e incêndios florestais, que podem vulnerabilizar uma fatia grande de uma população num intervalo muito curto de tempo.

Estima-se que o número destes fenómenos naturais violentos, quer de média ou grande escala, suba para 560 por ano até 2030. Isto equivale a mais de uma catástrofe por dia.

Nações que dispõem de uma cobertura limitada (ou inexistente) de aviso precoce têm uma taxa de mortalidade por catástrofes oito vezes superior à dos países com cobertura substancial a abrangente, de acordo com estimativas da OMM.

Ao longo dos últimos anos, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) tem alertado, em diferentes ocasiões e documentos, para o muito provável aumento do número de mortes e de casos de doenças associadas à mudança do clima.

Prevê-se que mais de 50% do excesso de mortalidade resultante das alterações climáticas até ao ano 2050 ocorrerá em África – um continente que abriga países que, proporcionalmente, pouco contribuíram para emissões que causaram a actual crise.

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