Sala secreta com esboços atribuídos a Miguel Ângelo abre ao público em Florença

Câmara onde o artista se terá refugiado da ira do papa Clemente VII foi descoberta em 1975 sob a capela funerária dos Medici. Os visitantes serão convidados a entrar a partir de dia 15.

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A descoberta desta câmara repleta de desenhos data de 1975, mas só agora abrirá ao público, com limitações Musei del Bargell/EPA
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Oculta sob a Sacristia Nova da Basílica de São Lourenço, esta sala estreita exibe dezenas de desenhos atribuídos a Miguel Ângelo Musei del Bargell/EPA
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Estima-se que Miguel Ângelo tenha permanecido durante dois meses nesta câmara secreta, mas a tese não é consensual Musei del Bargell/EPA
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Devido à sensibilidade destes desenhos, os visitantes disporão apenas de 15 minutos para os apreciar Musei del Bargell/EPA
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Os desenhos e esboços a carvão e a giz apresentam semelhanças temáticas e estilísticas com a produção conhecida de Miguel Ângelo Musei del Bargell/EPA
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Durante dois meses, em 1530, Miguel Ângelo terá permanecido escondido numa sala estreita e comprida, oculta sob a Sacristia Nova da Basílica de São Lourenço, em Florença. Redescoberto em 1975, corredor secreto, cujas paredes estão repletas de desenhos atribuídos ao criador do tecto da Capela Sistina, vai finalmente poder ser visitado pelo público já a partir do próximo dia 15.

As circunstâncias que terão levado o artista a enclausurar-se voluntariamente nesta sala, e a traçar nas suas paredes cerca de meia centena de desenhos e esboços a carvão e giz, prendem-se com as reviravoltas políticas na Florença do seu tempo. Em 1527, as tropas do imperador Carlos V saquearam Roma e levaram preso o papa Clemente VII, que mais tarde logrou fugir. Aproveitando este momento de grande instabilidade política, Florença revoltou-se contra a poderosa dinastia dos Médici, à qual pertencia o papa, e instaurou um efémero governo republicano, que contou com o apoio activo de Miguel Ângelo.

Embora tivesse sido sempre apoiado pela família Médici, e pelo próprio Clemente VII, quando este, já reconciliado com o imperador, cercou Florença, o artista usou os seus talentos de arquitecto e engenheiro para ajudar o governo ameaçado a erguer fortificações eficazes. Clemente VII não lhe perdoou e emitiu uma sentença de morte contra o seu antigo protegido.

Foi neste contexto que Miguel Ângelo se refugiou, um tanto ironicamente, sob a própria capela funerária dos Médici, num espaço que terá servido a dada altura como depósito de carvão, e que esteve esquecido durante séculos até ter sido redescoberto em 1975. Um alçapão, escondido por um armário, dava acesso a um estreito lanço de escadas de pedra, que desembocava na já referida câmara secreta, iluminada apenas por uma pequeníssima abertura para o exterior.

O director do Museu das Capelas dos Médici era então Paolo Dal Poggetto (1936-2019), um grande especialista da arte da Renascença, que suspeitou que o gesso que recobria as paredes poderia esconder alguma coisa e deu instruções para que este fosse removido. A suposição veio a revelar-se acertadíssima, embora continue a ser bastante discutida a sua tese de que Miguel Ângelo esteve ali escondido dois meses e de que é ele o autor das dezenas de desenhos revelados pela remoção do gesso.

O artista acabou por não estar muito tempo escondido, porque Clemente VII, ainda no mesmo ano de 1930, revogou a sentença para permitir que Miguel Ângelo concluísse os seus trabalhos na capela dos Médici. O papa ainda lhe encomendou também o famoso fresco do Juízo Final para a Capela Sistina, em Roma, mas morreria antes de a obra ter sido iniciada, já no pontificado de Paulo III.

Foi, aliás no mesmo ano em que morreu Clemente VII, 1534, que Miguel Ângelo abandonou definitivamente Florença. Antipatizando com o governo ducal de Alexandre de Médici, a quem o seu parente Clemente VII (segundo alguns autores, seria mesmo o seu pai biológico) entregou os destinos da cidade, o artista partiu para Roma, deixando a capela da família por concluir.

Nem todos os investigadores aceitam a atribuição generalizada destes desenhos ao autor do tecto da Capela Sistina, embora a maioria reconheça que alguns serão provavelmente dele, já que apresentam grandes semelhanças com algumas pinturas e esculturas que já então produzira. Um possível auto-retrato, uma representação de Leda e o Cisne – tema que o artista tratara nesse mesmo ano numa pintura que veio a perder-se –, ou ainda uma figura masculina que lembra o seu David, são alguns dos tesouros que o gesso recobria. E vários desenhos apresentam afinidades com as próprias esculturas que realizou para a capela dos Médici, situada por cima do seu esconderijo.

O historiador de arte americano William Wallace duvida mesmo que Miguel Ângelo tenha alguma vez estado escondido na sala agora aberta ao público, embora acredite que alguns dos desenhos possam ser do artista, que os teria feito alguns anos antes, quando trabalhou na capela mortuária dos Médici com os seus discípulos.

A necessidade de alternar os períodos de exposição a luz artificial com extensos períodos de escuridão, para preservar os desenhos, determina que os visitantes disponham de apenas 15 minutos para os apreciar. E prevê-se que o número de visitantes semanais não possa exceder uma centena. Cada um deles terá ainda de pagar 20 euros, a somar aos dez euros desembolsados para entrar no museu.

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