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Capela Sistina A obra que Miguel Ângelo não queria realizar

A Capela Sistina é o palco da escolha do novo Papa. "Perfeição" é uma palavra muitas vezes aplicada pelos milhares de pessoas que todos os dias entram naquele espaço criado Miguel Ângelo

Mandada construir pelo Papa Sixto IV em 1457, a Capela Sistina transformou-se no atelier de Miguel Ângelo entre 1508 e 1512. Em apenas quatro anos, o mestre da Renascença criou uma das mais notáveis obras de arte de sempre, apesar de preferir a escultura à pintura e não dominar a técnica do fresco. Contrariado, Miguel Ângelo (1475-1564) acabou por cobrir mil metros quadrados da capela, pintando cerca de 300 figuras no tecto e paredes laterais. O programa temático, dedicado à vinda de Cristo e ao princípio e fim dos tempos, mistura a "beleza pagã com o misticismo cristão", defende o historiador de arte Gilles Néret.
A Tentação, O Pecado Original, O Dilúvio, Adão e Eva no Paraíso, A Criação de Adão e O Juízo Final (terminado apenas em 1541) são algumas das cenas mais importantes. Entre as figuras isoladas como os profetas ou as sibilas, destaque para os ignudi, que Néret diz representarem "irmãos espirituais ou amantes do artista", que "parecem expostos às paixões terrenas como está o seu criador".
O Papa Júlio II ordenou a Miguel Ângelo que pintasse a Capela Sistina porque admirava as suas qualidades artísticas e por ter sido, em parte, manipulado pelos inimigos do mestre.
Júlio II e Miguel Ângelo estavam afastados desde que o Papa voltara atrás na sua intenção de entregar ao artista a construção do seu túmulo. Industriado pelos inimigos de Miguel Ângelo, liderados por Donato Bramante, o Papa encomenda-lhe a decoração da capela. Bramante esperava que o escultor recusasse a honra, voltando a zangar-se com o Papa, ou que aceitasse e, por não dominar a técnica do fresco, criasse uma obra menor. Mas Miguel Ângelo, que chegou a pensar em voltar a fugir de Roma e muitas vezes recomendou ao Papa que convidasse Rafael, outro dos mestres do Renascimento italiano, não fez nem uma coisa nem outra.
Rejeitando os especialistas em fresco que o Papa mandara vir de Florença para o ajudarem, Miguel Ângelo dedicou-se a uma criação solitária, que haveria de consumir as suas energias durante quatro anos. Por diversas vezes pensou em desistir - uma delas quando O Dilúvio começou a criar bolor. O esforço do artista acabaria por resultar numa das mais surpreendentes, polémicas e aclamadas obras da história da arte. O Concílio de Trento (1545-1563) ordenou que se cobrissem parte das figuras com panejamentos. Nos séculos XVII e XVIII, os corpos voltaram a ser escondidos.
Os trabalhos de restauro a que os frescos da Sistina foram sujeitos entre 1980 e 1994, coordenados por Gianluigi Colalucci, mantiveram algumas destas censuras como testemunhos de uma nova ordem teológica, mas devolveram à obra de Miguel Ângelo a exuberância de cores original, o que gerou grande controvérsia. "Foram os artistas, mais do que os restauradores ou os historiadores, que geraram a polémica. Porque os artistas tinham amado Miguel Ângelo naqueles tons pastel, e não nas cores vivas, delicadas e sensíveis dos maneiristas", explicou Colalucci numa entrevista ao PÚBLICO em Dezembro de 2001.
"Costumo dizer que restaurar uma obra é como entrar na alma do pintor, mas no caso de Miguel Ângelo é impossível. Encontro mais alma nos pintores menores porque lhes reconheço o esforço. Miguel Ângelo era demasiado genial para deixar que os seus trabalhos transparecessem as suas imperfeições de homem."
"Perfeição" é certamente uma palavra muitas vezes aplicada pelos milhares de pessoas que todos os dias entram na Capela Sistina. "Ninguém resiste àquele Adão", defende muitas vezes nas suas conferências Colalucci, o restaurador a quem chamam "o mestre" nos corredores do Museu do Vaticano. Miguel Ângelo tinha 66 anos quando acabou os frescos da Capela Sistina.

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