A escolha da carreira: saber quem somos para saber o que queremos ser

Muitos adolescentes vivem no tempo “presente” e mostram dificuldade a pensar a médio e longo prazo e a fazer planos para além do mês seguinte.

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Educar para uma escolha saudável de carreira é educar, desde cedo, para o autoconhecimento, para a autonomia e para a tomada de decisão Marco Duarte
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A escolha da carreira, entenda-se aqui o conjunto de opções que levam à definição do futuro profissional de cada pessoa, é uma das tarefas mais importantes da adolescência e, com frequência, associada a alguma angústia e ansiedade para os jovens e para as suas famílias. O sistema escolar português impõe a primeira escolha obrigatória no final do 9.º ano de escolaridade, sendo que para muitos jovens esta necessidade de optar surge demasiado cedo e quando ainda não se sentem preparados para o fazer.

“Não sei o que quero”, “Não gosto de nada”, “Gosto de imensas coisas, mas não sei o que será melhor” ou “Quero isto, mas os meus pais não deixam” são frases muito comuns em Orientação Vocacional. Os motivos para as dúvidas e hesitações são diversos, mas prendem-se quase sempre com um baixo conhecimento de si próprio e do que o rodeia, acompanhado por grandes dificuldades em afirmar vontades e tomar decisões.

Escolher uma carreira é escolher quem vamos ser no nosso futuro e como vai ser a nossa vida adulta. Quem não se conhece bem a si próprio, quem está desligado de si e das suas emoções e vive sobretudo o presente terá sempre mais dificuldade em fazer este processo. Ao mesmo tempo, alguns adolescentes sentem que a sua escolha tem de conciliar as expetativas dos pais, ainda que estes não as expressem explicitamente, e que existem premissas a que têm de atender na sua escolha, como a estabilidade financeira e a segurança. Por todas estas razões, é normal encontrar adolescentes completamente perdidos e sem rumo e que vão à escola sem um projeto próprio e sem nada planear para a sua vida.

Educar para uma escolha saudável de carreira é educar, desde cedo, para o autoconhecimento, para a autonomia e para a tomada de decisão. Se uma criança for ensinada, à medida da sua idade, a fazer opções e a tomar decisões e sentir que as suas escolhas são válidas e a sua voz é ouvida, mais facilmente sentirá confiança para planear e decidir o seu futuro. Ao mesmo tempo, os pais podem estimular o desenvolvimento vocacional fazendo perguntas sobre os filhos e os seus gostos, mostrando o mundo e as diferentes profissões (alguns adolescentes não conseguem dizer o que os pais fazem) e apresentando diferentes estilos de vida. É importante ensinar a planear, a estabelecer objetivos e a definir os passos que vão ser dados para os concretizar.

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O sistema escolar português impõe a primeira escolha obrigatória no final do 9.º ano de escolaridade Amy DeVoogd/Getty Images

Vivemos ainda uma época muito centrada no “aqui” e no “agora” e em que muitos jovens estão habituados a ter tudo à sua disposição no imediato e em que a perseverança, a resiliência e a disciplina não são assim tão valorizadas. Muitos adolescentes vivem no tempo “presente” e mostram dificuldade a pensar a médio e longo prazo e a fazer planos para além do mês seguinte. Ensinar a pensar a longo prazo, a ser ativo na direção da sua própria vida e aprender que o futuro se constrói, em vez de simplesmente acontecer, são competências valiosas para termos jovens que se conhecem a si mesmos, são capazes de identificar e afirmar o que desejam para o seu futuro e têm confiança suficiente para tomar decisões.

Na verdade, no mundo atual, mais do que escolher uma carreira para a vida toda, é importante que cada jovem adquira ferramentas para, em qualquer fase da sua vida, saber definir o que quer e precisa e desenvolver passos para o concretizar. O conceito de “trabalho para a vida” tem vindo a perder relevo e, atualmente, o mundo do trabalho é bastante dinâmico e permeável a mudanças e transformações. Muitas pessoas mudam de carreira e de área, algumas até de forma bastante radical. Em cada profissão são exigidas cada vez mais competências transversais e as soft skills são cada vez mais valorizadas.

Em suma, os desafios dos adolescentes de hoje são diferentes daqueles que se puseram aos seus pais e avós, precisando, nomeadamente, de ter muito maior capacidade de adaptação e estar preparado para, se necessário, reconfigurar as suas escolhas e transformar os seus planos em função da realidade do momento. A excelência técnica, enquanto competência exclusiva, já não é tão procurada e hoje o mundo do trabalho procura profissionais bem preparados, mas também com boa capacidade relacional e de comunicação, adaptáveis, versáteis e criativos. Os alunos excelentes já não são aqueles que têm apenas notas de excelência, mas os que aliam a eficiência académica a bons soft skills.

Assim, valorizar o desenvolvimento pessoal de cada jovem, desenvolver a sua autonomia e a sua autoconfiança ou promover um crescimento integrado (praticar desporto, estar inserido na comunidade, ter uma vida social ativa) são grandes facilitadores da capacidade de escolha da carreira e essenciais no processo de construção do futuro.

Saber escolher não é muito diferente de saber estar e de saber ser e trata-se essencialmente de se saber quem é e saber para onde se quer ir.

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