É proibido apanhar azeitona à noite nos olivais superintensivos de Portugal, insiste ICNF

Estimou-se que a colheita nocturna de azeitona realizada em 2019 terá provocado no Alentejo a morte de quase 100 mil aves migratórias. Na Andaluzia terão sido dizimadas 2,6 milhões.

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Apanha nocturna envolve equipamentos que passam por cima das linhas de árvores que são sacudidas e que sugam as azeitonas, num processo que causa a morte de milhares de aves GettyImages
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O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) adiantou ao PÚBLICO que se “mantém a interdição” de apanha nocturna da azeitona nos olivais superintensivos, e relembra que “a perturbação e mortalidade de aves constituem uma infracção contra-ordenacional e penal”.

O ICNF toma esta decisão pelo terceiro ano baseada nos resultados de diversos estudos realizados pelas autoridades portuguesas e espanholas em que se conclui que a apanha mecânica nocturna em olival moderno provoca a mortalidade de aves “de forma significativa”.

A denúncia desta situação foi inicialmente feita em 2019, na região espanhola de Andaluzia, quando as autoridades regionais admitiram que “cerca de 2,6 milhões de aves” poderiam ter sido dizimadas pelas máquinas utilizadas durante a noite na colheita de azeitona.

Estes equipamentos passam por cima das linhas de árvores que são apertadas e sacudidas por varas horizontais que vibram para proceder à colheita das azeitonas através de sucção. É neste processo que as aves são mortas.

Se a mortandade das aves ocorreu com maior incidência na região de Andaluzia, o mesmo poderia estar a acontecer nos olivais de grande produção alentejanos. O Sudoeste da Península Ibérica é um ponto de trânsito para milhões de aves migratórias e muitas outras passam o Inverno nas zonas mais temperadas da costa mediterrânica. Alimentam-se nos olivais e utilizam-nos como poleiros. São estas áreas densamente arborizadas que proporcionam abrigo e descanso a inúmeras espécies de aves selvagens.

O levantamento efectuado pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), durante a campanha de apanha de azeitona de 2019/2020, veio a confirmar o mesmo fenómeno nos campos do Alentejo. A recolha mecânica de azeitonas nos olivais superintensivos ou em sebe conduziu à perturbação e mortalidade de aves.

Com efeito, nas acções de fiscalização efectuadas na região de Avis, no Alentejo, durante a campanha 2019/2020, verificou-se uma média de 6,4 aves mortas por hectare. Extrapolando-se este valor para os 15 mil hectares de olival superintensivo existentes, esta actividade representaria a morte de 96 mil aves migratórias anualmente.

Várias espécies afectadas

Os resultados do Estudo Técnico para Avaliação de Impacto na Avifauna Resultante da Colheita Mecânica Nocturna apresentado pelo INIAV, em 2020, indicam que a apanha mecânica nocturna em olival em sebe “provoca de forma significativa a mortalidade de aves e que as medidas de mitigação testadas, concretamente os processos ensaiados para espantar as aves, se revelaram ineficazes”. Os intensos focos luminosos projectados pelas máquinas de colheita desorientavam os pássaros, e impediam que eles se afastassem, enquanto as operações decorriam.

Num dos estudos ordenado pela Junta de Andaluzia para a campanha 2021/2022, apenas foi tida em conta a mortalidade directa das aves quando estas eram sugadas pelas máquinas de recolha durante a noite, mas outra causa de morte foi associada ao facto de as aves, durante as acções para as espantar, serem forçadas a moverem-se várias vezes durante a noite. O transtorno causado ao repouso dos pássaros representa enorme gasto de energia que pode acabar por causar a sua morte, principalmente nas aves mais pequenas (como toutinegras).

Acresce ainda nas observações efectuadas em Espanha que haverá outras espécies afectadas, como roedores arborícolas aparentados com os esquilos (arganaz), e espécies de lagartos, como as lagartixas. O comportamento das aves poderá também explicar a ausência de fuga à aproximação das máquinas de colheita.

Na sequência da denúncia que relatou a grande mortandade de aves durante a campanha de 2019/2020, na região espanhola de Andaluzia, muitas foram vendidas pelos operadores das máquinas ou proprietários das explorações a sectores da restauração para consumo de “passarinhos fritos”. O Governo regional classificou esta prática como “altamente ilegal, principalmente quando essas aves fritas incluíam espécies ameaçadas de extinção”.

As observações efectuadas pelas equipas de fiscalização do INIAV, durante o período da apanha de azeitona, que decorreu entre Novembro e o final de Janeiro, confirmaram que 17 espécies migratórias, na sua maioria aves protegidas pela legislação nacional e comunitária, chegam ao Sudoeste da Península Ibérica para passar o Inverno ou transitam nas rotas para o continente africano.

Destacam-se a toutinegra-cabeça-preta, a felosa-das-figueiras, a felosa-ibérica, a felosa-comum, a felosa-musical, o verdelhão, o pintassilgo, o pintarroxo, a alvéola-branca, a alvéola-cinzenta e a alvéola-amarela.

O Sudoeste da Península Ibérica é um ponto de trânsito para milhões de aves migratórias e muitas outras passam o Inverno nas zonas mais temperadas da costa mediterrânica durante a sua estadia, alimentam-se nos olivais ou utilizam-nos como poleiros. Nas grandes regiões agrícolas, são as únicas áreas arborizadas que proporcionam abrigo e descanso a inúmeras espécies de aves selvagens.

O ICNF disse ao PÚBLICO que “irá realizar acções de fiscalização, à semelhança das campanhas anteriores”.

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