Poluição atmosférica ausente de dois terços dos planos climáticos de 170 países

Apenas 51 países mencionam a poluição atmosférica nos planos climáticos, e os países africanos são líderes. Reforço das políticas de ar limpo poderia reduzir doenças respiratórias e cardíacas.

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Vista área de uma zona industrial na Alemanha Dirk Meister/GettyImages

Os países mais pobres de África estão à frente da maioria das nações ricas quando se trata de reconhecer o ar limpo e os seus benefícios para a saúde nos seus planos climáticos nacionais – mas os seus objectivos têm de ser apoiados por políticas, acções e financiamentos claros, afirmaram os investigadores.

Um novo relatório nomeou a Nigéria, a Costa do Marfim, o Mali, o Togo e o Gana como alguns dos principais países que incluíram as preocupações com a qualidade do ar nos seus planos de acção climática apresentados às Nações Unidas, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC , na sigla em inglês). Resumidamente, trata-se da contribuição a que cada país se propõe para baixar as emissões de gases com efeito de estufa e manter o aumento da temperatura abaixo dos 2 graus Celsius (em relação aos níveis pré-industriais), como estipulado no Acordo de Paris.

O quadro de resultados, divulgado na quarta-feira pela Aliança Global para o Clima e a Saúde (GCHA), revela que 14 dos 15 países mais bem classificados são nações de rendimento baixo ou médio, numa lista liderada pela Colômbia e pelo Mali, sendo o Chile o único país de rendimento elevado.

No entanto, em termos globais, apenas 51 dos 170 NDC – ou seja, menos de um terço dos analisados – se referiram aos impactos da poluição atmosférica na saúde, segundo o relatório.

Isto significa que 6 mil milhões de pessoas vivem em países onde as sinergias entre ar saudável e clima ainda não foram reconhecidas nos NDC, acrescentou. Vários países com bom desempenho no quadro de resultados também registam uma elevada mortalidade devido à poluição atmosférica.

A poluição atmosférica – causada sobretudo pela queima de combustíveis fósseis –​ provoca mais de 6,5 milhões de mortes por ano a nível mundial, um número que está a aumentar, de acordo com um estudo publicado no ano passado na revista Lancet Planetary Health.

Uma oportunidade perdida

"A omissão das considerações sobre a poluição atmosférica nos NDC é uma oportunidade perdida para o planeta, para as pessoas e para as economias", afirmou Jessica Beagley, directora de políticas da GCHA, uma coligação de ONG ligadas à saúde e ao ambiente e de organizações de profissionais de saúde.

No início de Dezembro, a cimeira das Nações Unidas sobre o clima COP28, no Dubai, será a primeira a dedicar um dia à saúde, à medida que mais países reconhecem e procuram combater os riscos para a saúde associados às alterações climáticas, como o aumento do stress térmico e da malária.

A conferência anual acolherá também um diálogo ministerial sobre a resolução dos problemas interligados.

Mas os activistas da sociedade civil manifestaram a sua preocupação pelo facto de o primeiro projecto de declaração da COP28 sobre clima e saúde cuja versão final será pedida aos governos não se referir especificamente à poluição atmosférica.

Segundo o relatório do GCHA, as políticas de ar limpo, como a transição para energias renováveis e a utilização de combustíveis mais "limpos" para cozinhar dentro de casa, têm potencial para reduzir os impactes na saúde e os custos de problemas como a asma e as doenças cardíacas.

"Quando se começa a enquadrar a acção climática em termos de saúde e de dinheiro, é óbvio que se obtém muito mais apoio", afirmou Beagley.

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Rapaz com uma máscara para se proteger da poluição do ar Stevica Mrdj/GeetyImages

Os NDC fornecem um "retrato" das prioridades climáticas nacionais e o quadro de pontuação atribui pontos a aspectos como o reconhecimento dos impactos da poluição atmosférica na saúde, a identificação de acções para a resolver e a ponderação dos potenciais benefícios.

Emissões afectam cidades

O mais recente NDC da Nigéria, por exemplo, estabelece medidas para incentivar a utilização de combustíveis mais limpos em vez de lenha, o que, segundo o governo, poderia poupar florestas e emissões de gases com efeito de estufa e evitar 30 mil mortes prematuras até 2030.

Oladoyin Odubanjo, secretário executivo da Academia Nigeriana de Ciências, afirmou que os NDC são mais "declarações de intenções" do que políticas concretas e apelou aos governos para que ponham em prática esses compromissos.

Odubanjo afirmou que os fumos dos cozinhados ao ar livre e as emissões produzidas pelos veículos em áreas urbanas como Lagos, a maior cidade e centro comercial da Nigéria, são as principais fontes de poluição, predispondo muitas pessoas a complicações respiratórias.

Apesar das preocupações significativas com a saúde, as medidas regulamentares para reduzir as fontes de poluentes têm sido insuficientes, acrescentou.

"Vemos veículos que fumegam como chaminés e que, por vezes, se não tivermos cuidado a conduzir atrás deles, não conseguimos ver a estrada", afirmou. "Muitas pessoas dirão que, quando regressam a casa, têm dificuldade em respirar, porque estiveram dentro do carro".

Um estudo do Banco Mundial de 2020 concluiu que as emissões dos automóveis, das zonas industriais e dos gases de escape dos geradores são responsáveis pela má qualidade do ar em Lagos, conduzindo a elevadas taxas de mortes prematuras e doenças, com graves consequências para os residentes locais.

O motorista da Uber Friday Omoniyi disse que tem lutado contra uma tosse que o mantém acordado à noite desde que começou a trabalhar na cidade de mais de 23 milhões de habitantes, no ano passado.

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Trânsito nas cidades afecta qualidade do ar GettyImages

"Depois de conduzir nas estradas de Lagos durante um dia, não consigo respirar bem por causa de todo o fumo dos carros é por isso que tenho de deixar este trabalho", disse Omoniyi ao Context, buzinando a vários carros presos no trânsito matinal.

Muita poluição e pouco financiamento

Audrey de Nazelle, professora catedrática do Centro de Política Ambiental do Imperial College de Londres, que não participou no relatório do GCHA, descreveu a poluição atmosférica como "o maior factor de risco ambiental para o peso da doença a nível mundial".

O facto de os planos climáticos se centrarem na saúde e na poluição atmosférica pode promover políticas mais holísticas e ambiciosas, acrescentou, sobretudo nas cidades onde a luta contra a poluição atmosférica implica a transformação do modo de vida urbano.

Por exemplo, a electrificação dos veículos traz alguns benefícios ao reduzir as emissões e a poluição atmosférica, mas a redução da utilização do automóvel em geral também promove deslocações mais saudáveis, como andar a pé e de bicicleta, e pode abrir espaço para parques e árvores, acrescentou.

Um dos principais obstáculos à luta contra a poluição atmosférica é o custo, especialmente devido à falta de financiamento, refere o relatório do GCHA, apelando a um financiamento urgente.

O Relatório sobre o Estado do Financiamento da Qualidade do Ar Global, recentemente publicado, mostrou que apenas 1% de todo o financiamento internacional para o desenvolvimento cerca de 17 mil milhões de dólares foi expressamente afectado à luta contra a poluição do ar exterior entre 2015 e 2021.

E apenas 2% do financiamento público internacional para o clima foi direccionado para a resolução do problema no mesmo período, segundo o relatório.

Na Cimeira Mundial da Saúde, realizada em Berlim na terça-feira, Maha Barakat, ministra-adjunta dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos para a saúde, afirmou que a declaração da COP28 sobre o clima e a saúde exigiria uma "concentração significativa" no financiamento.

A cimeira COP28 no Dubai irá também lançar um conjunto de iniciativas financeiras no domínio do clima e da saúde, incluindo um conjunto de investimentos que "podem ser alargados para salvar vidas e salvaguardar a saúde, reduzindo simultaneamente as emissões de carbono e outras formas de poluição".

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