ONU faz soar o alarme sobre saúde: as alterações climáticas “estão a matar-nos”

Saúde vai estar em foco na COP28. OMS prevê que mais 250 mil pessoas morram todos os anos devido às alterações climáticas. Uma em cada quatro mortes pode ser atribuída a “causas ambientais evitáveis”.

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Ameaças à saúde causadas por fenómenos climáticos extremos estão a agravar-se SEDAT SUNA/EPA

A crise climática está a tornar-se cada vez mais uma crise de saúde pública, alertaram as autoridades em Nova Iorque esta semana, apelando a uma melhor formação, investigação e medidas de resiliência para fazer face às duas prioridades em destaque na Assembleia Geral das Nações Unidas.

A luta contra as alterações climáticas e a promoção da saúde pública são os principais objectivos dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para 2030, numa altura em que os governos tentam encontrar uma solução para os 17 objectivos principais, dos quais apenas 15% estão no bom caminho, num mundo em crise.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), prevê-se que 250 mil pessoas morram todos os anos devido às alterações climáticas, enquanto as estatísticas mostram que uma em cada quatro mortes pode ser atribuída a "causas ambientais evitáveis".

A agência das Nações Unidas afirma que o aumento das temperaturas, as condições meteorológicas extremas, a poluição atmosférica, os incêndios florestais e a falta de segurança no abastecimento de água e alimentos não só provocam a perda de vidas, como também exacerbam as doenças infecciosas e outras doenças, provocam doenças relacionadas com o calor e prejudicam as mulheres grávidas.

"Não se enganem: é a utilização de combustíveis fósseis que está a provocar as alterações climáticas que nos estão a matar", disse Vanessa Kerry, enviada especial da OMS para as alterações climáticas e a saúde, num evento realizado no âmbito da Semana do Clima de Nova Iorque.

Pela primeira vez este ano, a cimeira anual das Nações Unidas sobre o clima –​ COP28, que começa no final de Novembro no Dubai – terá um dia dedicado à saúde, bem como uma discussão ministerial sobre o tema do clima e da saúde.

"A ligação entre a saúde e as alterações climáticas é evidente, mas não tem sido um foco específico do processo da COP – até agora. Isto tem de mudar", afirmou Sultan al-Jaber, o executivo do sector petrolífero que presidirá à COP28 pelos Emirados Árabes Unidos, em comunicado.

Pobreza e direitos das mulheres afectados

Os efeitos negativos causados pela confluência das ameaças climáticas e de saúde ameaçam também comprometer outros elementos fundamentais da agenda de desenvolvimento sustentável, incluindo a redução da pobreza e a promoção dos direitos das mulheres, alertaram os especialistas.

O Banco Mundial prevê que, até 2030, 132 milhões de pessoas cairão na pobreza em consequência dos efeitos sobre a saúde relacionados com o clima e que 1,2 mil milhões de pessoas serão deslocadas até 2050.

Maliha Khan, presidente e directora executiva do grupo de activistas Women Deliver, sublinhou que o ónus da adaptação às alterações climáticas recai frequentemente sobre as raparigas e as mulheres, que podem ser retiradas da escola ou ter de assumir mais responsabilidades quando os membros masculinos da família migram devido às pressões climáticas.

Khan apelou a que os direitos sexuais e reprodutivos e os serviços de saúde sejam plenamente respeitados para ajudar as mulheres a fazer face aos efeitos das alterações climáticas.

"De um ponto de vista puramente de justiça, não podemos falhar-lhes, negando-lhes também os serviços que lhes permitirão tornar-se mais resistentes à crise climática", afirmou num outro evento à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Pascal Barollier, responsável pelo departamento de informação e acção da Gavi, o grupo de saúde global que trabalha para expandir o acesso às vacinas, referiu que o calor tem um impacto na incidência de doenças transmitidas por vectores, bem como na febre amarela em África.

Antigo jornalista na área da ciência e saúde, Barollier apela à realização de mais investigação sobre as ligações entre as alterações climáticas e a saúde. "É bom ter narrativas fortes sobre a ligação entre o clima e a saúde, mas se não conseguirmos medir realmente o impacto será mais difícil justificar" os investimentos, afirmou à Reuters.

Desde o aumento da incidência de dengue no Sul da Ásia até à propagação do vírus do Nilo Ocidental na África Ocidental e na Europa, os cientistas estão preocupados com a mudança de perfil das doenças transmitidas por mosquitos à medida que as temperaturas médias aumentam em muitas partes do mundo.

O próprio sector dos cuidados de saúde, que é responsável por cerca de 5% do total das emissões de gases com efeito de estufa, também precisa de reduzir a sua pegada de carbono e de se adaptar à medida que a procura e as pressões aumentam, afirmou Kerry da OMS.

"É preciso começar por investir numa força de trabalho no sector dos cuidados de saúde que possa dar resposta a esta carga crescente de doenças a que vamos assistir", acrescentou.

Medicina resistente ao clima

As instituições de saúde e outros grupos estão a criar novos programas para lidar com os impactos negativos na saúde relacionados com o clima e para educar as pessoas sobre as suas ligações.

Americares, um grupo de saúde global, estabeleceu uma parceria com a Universidade de Harvard para preparar melhor as clínicas de saúde comunitárias que recebem com frequência pacientes com baixos rendimentos e sem seguro, que são muitas vezes duramente afectados por extremos climáticos como o calor.

Num evento da Semana do Clima de Nova Iorque, as autoridades anunciaram o lançamento de uma iniciativa-piloto destinada a tornar clínicas de saúde nos estados norte-americanos de Arizona, Florida e Luisiana mais resistentes ao clima, através de planos de acção contra o calor, para as ajudar a apoiar pessoas vulneráveis.

"As ameaças à saúde colocadas pelo calor extremo estão a agravar-se devido às alterações climáticas, e temos de nos concentrar em soluções que vão mais longe e complementam os cuidados prestados na sala de exames", afirmou Julie Varughese, directora médica da Americares.

A crescente consciencialização e atenção para a intersecção entre o clima e a saúde foram claramente demonstradas na ONU esta semana, lançando as bases para o plano dos Emirados Árabes Unidos de colocar a saúde em primeiro plano na COP28.

"Surpreendentemente, estou na Gavi há mais de uma década e este é realmente o primeiro ano em que parece que estamos realmente a fazer a ligação entre as alterações climáticas e a saúde", afirma Pascal Barollier.

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