Mundial de futebol em seis países contraria estratégia climática da FIFA

A FIFA atribuiu o Campeonato do Mundo de 2030 a Espanha, Portugal e Marrocos, mas também disse que o Uruguai, a Argentina e o Paraguai iriam acolher jogos. A opção vai sentir-se na pegada de carbono.

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Cada decisão que faz crescer o Campeonato do Mundo vai aumentar a pegada de carbono do evento Manuel faba/GettyImages

A decisão da FIFA de realizar o Campeonato do Mundo de futebol de 2030 em seis países, com os adeptos a viajarem de avião para mais de 100 jogos, vai aumentar a pegada de carbono do torneio e está em desacordo com os compromissos climáticos do organismo que rege o futebol, alertaram os especialistas.

A FIFA atribuiu o Campeonato do Mundo de 2030 a Espanha, Portugal e Marrocos na semana passada, mas também disse que o Uruguai, a Argentina e o Paraguai iriam acolher três jogos para assinalar o centenário do torneio.

Depois de três jogos na América do Sul, de 8 a 9 de Junho de 2030, o torneio segue para Espanha, Portugal e Marrocos, o que implica vários voos transatlânticos para as equipas e os adeptos.

É um contraste gritante com o Campeonato do Mundo de 2022 no Qatar, que tinha apenas 32 equipas e todos os 64 jogos foram disputados em oito estádios em Doha e arredores.

"O grande problema é que o evento está em constante crescimento", afirma a ecologista desportiva Madeleine Orr, professora assistente da Universidade de Toronto, cuja investigação analisa os impactos das alterações climáticas no sector do desporto.

"Cada decisão que faz crescer o Campeonato do Mundo vai aumentar a pegada de carbono do evento. Essa é a infeliz verdade, é uma troca", diz aquela investigadora.

A especialista constata: "O crescimento económico é conseguido e, consequentemente, a pegada ambiental é maior. A própria FIFA afirmou que tem em conta o ambiente, mas todas as acções sugerem o contrário."

A FIFA afirmou que irá tomar todas as medidas necessárias para mitigar o impacto ambiental do Campeonato do Mundo, acrescentando que 97% do torneio de 2030 será realizado em três países que partilham uma fronteira ou estão separados por poucos quilómetros.

"Em 101 jogos, o torneio será disputado num conjunto de países vizinhos muito próximos geograficamente e com ligações e infra-estruturas de transporte extensas e bem desenvolvidas", afirmou a FIFA. A Federação Internacional de Futebol também afirmou anteriormente que estava empenhada numa redução de 50% das emissões de carbono até 2030 e em atingir zero emissões líquidas até 2040.

Declarações enganosas

Em Junho, um regulador suíço afirmou que a FIFA fez declarações falsas e enganosas sobre a neutralidade de carbono e o reduzido impacto ambiental do Campeonato do Mundo no Qatar.

Quentin Cuendet, que actuou em nome da Aliança Suíça pelo Clima com a associação Avocates pour le Climat no seu processo contra a FIFA por "greenwashing" no Mundial de 2022, disse que não era possível para a FIFA mitigar o impacto.

"A primeira razão é que em torneios tão grandes, com pessoas vindas de todo o mundo, a maioria das emissões provém dos voos. Isso é algo que a FIFA não pode reduzir", disse Cuendet.

"É demasiado grande, representa cerca de 80-85% do total das emissões. Não vejo como a FIFA pode comprometer-se a ter qualquer efeito positivo sobre essas emissões", disse.

A segunda razão está ligada ao facto de a FIFA ter afirmado que compensou parte das suas emissões no Campeonato do Mundo do Qatar. "O que mostrámos no processo na Suíça é que a FIFA não conseguiu provar que a compensação foi eficaz e teve um impacto positivo nas emissões do Campeonato do Mundo", afirmou Cuendet.

Walker Ross, professor de Gestão do Desporto na Universidade de Edimburgo e membro do Grupo de Ecologia do Desporto, afirmou que os voos transatlânticos seriam responsáveis por 1-1/2 a duas toneladas de dióxido de carbono (CO2) por pessoa no voo.

"No último Campeonato do Mundo no Qatar, as deslocações dentro do país foram mínimas porque o país é muito pequeno", disse Ross."Em 2030, as equipas terão de voar até à América do Sul, jogar um jogo e depois regressar, digamos, a Espanha. Isso parece-me bastante intensivo em carbono", acrescentou.

Ross disse ainda que os benefícios reais da compensação de carbono - como a compra de uma floresta e a sua manutenção ou a plantação de árvores - levarão décadas a entrar no sistema. "Entretanto, o impacto real das emissões de carbono desses voos é muito mais imediato, não se verifica anos e anos mais tarde, que é o que estamos a ver com a compensação", sublinhou.

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