O 11 de Setembro israelita

A moratória do Holocausto acabou, ou seja, o tempo em que as vozes anti-semitas não ousavam verbalizar aquilo em que nunca deixaram de acreditar. Esse tempo acabou.

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“O 11 de Setembro israelita.” Assim nomeou o politólogo francês Gilles Kepel o ataque terrorista do Hamas contra Israel na madrugada de sábado, 7 de Outubro. Mas ao título, Kepel acrescentou duas palavras, “versão iraniana”, porque na verdade é disso que se trata, e já foi confirmado por ambas partes. Nunca o Hamas teria conseguido por si só atacar com sucesso Israel sem o apoio militar do Irão, país cujo objectivo é, entre outros, impedir o acordo entre a Arábia Saudita e Israel, ou seja, contrariar uma eventual aceitação progressiva de Israel no Médio Oriente, ou mesmo uma pacificação das relações regionais, como de algum modo já é o caso com o Egipto.

O que aconteceu na madrugada de 7 de Outubro é de facto inédito em Israel, sobretudo depois da Guerra do Yom Kippur, que decorreu em 1973 durante a celebração mais sagrada do judaísmo, apanhando desprevenidos o Governo israelita e o seu Exército. É inédito porque, entretanto, Israel terá tirado lições dessa guerra em que a sua sobrevivência foi posta em causa. Cinquenta anos depois, o Exército aperfeiçoou as suas capacidades militares, tal como os serviços secretos terão eventualmente aperfeiçoado os seus.

Mas por que razão é invocada a data terrível do 11 de Setembro? Porque, apesar das diferenças óbvias, tal como nesse dia, o que aconteceu e assim continua é a barbárie terrorista à solta: homens do Hamas a dispararem contra as pessoas nas ruas em Israel, cujos cadáveres se foram amontoando, terroristas que forçam as entradas das casas nas aldeias e nos kibutzs junto à fronteira com Gaza, matando, roubando e raptando crianças, mulheres e homens, fazendo deles reféns para troca de concessões com Israel. Há relatos de torturas de reféns, de separação de filhos das suas mães condenando-os à morte, de violações de mulheres e jovens soldadas israelitas....

Como foi possível tudo isto? Por que razão Governo, Exército e serviços secretos foram apanhados desprevenidos? Não tenho resposta, e estou certa de que a população israelita exigirá uma explicação convincente e não perdoará desculpas que nada explicam. Mas, na minha opinião, que neste caso pouco vale, a concentração da atenção deste Governo dirigido por Benjamin Netanyahu em destruir a democracia e, muito em particular, o desvio de militares para proteger os colonatos na Cisjordânia terão eventualmente tido algum papel na negligência que já custou já 700 mortos israelitas, 2243 feridos, muitos em estado grave, e, pelo que se sabe, mais de 100 reféns.

Israel vai retaliar, aliás, já começou a fazê-lo, e a guerra vai ser dura e eventualmente prolongada, com consequências também para a população civil de Gaza, que vive há décadas sob a feroz ditadura do Hamas. Infelizmente, as consequências recaem sempre sobre os civis, mas Israel nunca deixará de lutar não apenas pela sua própria sobrevivência como país, mas também por cada israelita feito refém. Lembro o caso do sargento Guilad Shalit, refém em Gaza entre 2006 e 2011, acabando por ser “trocado” por mil prisioneiros palestinianos.

O mundo judaico segue com ansiedade e angústia o que se passa em Israel. Em primeiro lugar, porque a grande maioria, na qual me incluo, tem familiares que aí vivem e combatem no Exército, mas também, e talvez acima de tudo, porque olhando à nossa volta, na Europa e por esse mundo fora, incluindo os EUA, é óbvio que a perspectiva de segurança e crescimento judaico é cada vez menor, face ao ressurgimento à luz do dia de saudosistas de Hitler, dos atentados a sinagogas, das teorias da conspiração atribuídas a judeus e de todo o tipo de estereótipos. Nada disto é novo, simplesmente hoje manifesta-se às claras e sem complexos. A moratória do Holocausto acabou, ou seja, o tempo em que as vozes anti-semitas não ousavam verbalizar aquilo em que nunca deixaram de acreditar. Esse tempo acabou.

Assim, mesmo não emigrando necessariamente para Israel, e assumindo como seus os países de que são cidadãos, os judeus sabem que, no final, o seu destino colectivo está ligado ao destino de Israel. “Nunca fui sionista” – escreveu Raymond Aron – “mas sinto claramente que a eventualidade da destruição do Estado de Israel me fere até ao mais fundo da minha alma…”

A pedido da autora, foi retirada a referência a um vídeo com crianças enjauladas, por não ter sido possível chegar a conclusões seguras acerca da sua origem, data e situação retratada

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