A tragédia de Múrcia e o risco no Centro Comercial Stop

Costuma-se dizer que a única utilidade de uma tragédia é aquilo que nos pode ensinar.

A tragédia ocorrida em Múrcia no passado fim-de-semana deixa um enorme rasto de consternação. Treze pessoas perderam a vida no incêndio que deflagrou numa discoteca, estendendo-se de imediato a duas discotecas contíguas. Um inferno – é a descrição que mais ouvimos daqueles que viveram aqueles momentos de terror.

O incêndio terá começado, segundo as autoridades, com um curto-circuito na instalação eléctrica de uma das três discotecas. A contiguidade, o tipo de materiais presentes, as lacunas de segurança terão feito o resto.

Olhando para o historial destes espaços, que se converteram em lugares de morte e tragédia, encontramos a reprovação das autoridades técnicas, quanto às condições de funcionamento, e a apreensão dos decisores políticos, que terão decretado o seu fecho. Pelo meio, houve pessoas que, por diferentes razões, da emoção à busca do lucro, lutaram pela manutenção dos espaços em funcionamento, tendo movido processos e providências legais para impedir ou adiar o encerramento. O resultado está à vista. A obstinação resultou no mais trágico desfecho.

É impossível, para nós portuenses, neste momento particular, não pensar no Centro Comercial Stop quando lemos as notícias da tragédia de Múrcia. Um curto-circuito, uma instalação eléctrica em más condições, materiais inflamáveis, a reprovação das autoridades técnicas e a apreensão e oposição do poder político.

Compreendendo as emoções e os laços que ligam as pessoas aos lugares nos diferentes momentos das nossas vidas, não consigo compreender o abandono da razão. Entendendo que os lugares dão corpo vivo às histórias que albergam ao longo do tempo, não consigo entender a imutabilidade do que se quer dinâmico e vivo.

Desde o início que tive uma hierarquia de preocupações com o Stop e com todos os que ali fazem a sua vida, criando, usufruindo, fazendo cidade. A primeira preocupação é estrita, prende-se com os relatórios de segurança e com o risco efectivo que resulta para todos os que fazem do Stop parte das suas vidas. A segunda preocupação prende-se com as alternativas; não se pode perder a dinâmica criativa gerada por aquele colectivo informal. A terceira preocupação prende-se com a cidade; não é sustentável a manutenção de um espaço ao arrepio das regras de segurança a que toda a cidade está obrigada, sob pena de se pôr em causa a sua utilidade e sentido.

As respostas às três preocupações, são públicas e incontornáveis. Há um risco de segurança efectivo, com muitos pontos em comum com a tragédia de Múrcia. Há uma solução alternativa com enorme potencial, a dois passos, avançada pela Câmara do Porto, a Escola Pires de Lima. Há um conflito entre as regras, acima de tudo, de bom senso que todos seguem na cidade e a excepção de alto risco que uma providência cautelar assegura ao Stop.

Costuma-se dizer que a única utilidade de uma tragédia é aquilo que nos pode ensinar. Será então o momento de reflectir e dar espaço à razão sobre a emoção.

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