Stop: Apelo à criatividade

A lei é um instrumento e não um fim em si. Se a lei não ajuda ao que é melhor para todos, então há que enfrentar a lei.

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Sou o baixista do Repórter Estrábico, a tal banda que não se vende – passa-se. Estamos no Stop desde 1996 e fizemos lá três discos. Também sou investigador e, enquanto tal, escrevi sobre este lugar. Os acontecimentos recentes no Stop remexeram-me a preguiça e volto a escrever. Vou especular, é certo, mas 27 anos de vida no Stop suportam-me o desplante.

Primado: a lei é um instrumento e não um fim em si. Se a lei não ajuda ao que é melhor para todos, então há que enfrentar a lei. Ou seja: se a Câmara Municipal do Porto (CMP) fecha o Stop a bem da cidade, então porque é que a cidade não fica melhor?

Hipótese: as instituições sofrem de um síndrome de submissão à lei que as torna incapazes de lidar com contextos extraordinários e informais como é o caso do Stop. Aliás, ou seja, a CMP recorre ao “legalismo” para resolver um assunto que lhe escapa ou que lhe estorva a conveniência.

Muitos músicos estão, há 27 anos, a fazer o seu trabalho no Stop. Transformaram um erro comercial num espaço importante, interessante, útil. Estão a consagrar a cidade sonorizando-a, dando-lhe Voz. E pagaram as dívidas dos proprietários que tinham deixado de saldar as contas do condomínio. Apareceram os músicos, resolveu-se o calote. E não safámos só os proprietários. Animámos o bairro. Precisámos de comer, de comprar. Estabelecemos relações familiares. Sim, os músicos de aspecto suspeito, com cabelos esquisitos e rotas indumentárias, já são imprescindíveis naquelas redondezas. Lamentamos dizê-lo: o grande Porto Ponto precisa de nós e ainda não percebeu. E precisa de nós também porque atrás dos luminosos acontecimentos musicais que se apreciam de copo desdenhoso na mão, de sorriso espantado, em sonho de olho aberto ou de corpo dado ao manifesto da dança, há trabalho dos músicos que procuram obstinadamente legitimar a sua maneira de esculpir o som. É um trabalho sério que requer as suas próprias condições. E é isso que está a ser retirado aos músicos e não só: a Nós Todos. Por falar em NOS:

Os proprietários dos espaços do Stop contam-se acima da centena, mas três deles quase detêm a maioria. Estes três são: o BPI (proprietário do parque de estacionamento), a Nos (proprietária dos cinemas fechados), e os proprietários do espaço do último andar (o qual já foi o Bar 88, danceteria para bailarico de bairro e etc.)

O BPI tem mais tendência para a cultura erudita, mas… Quanto à Nos, nem sei se sabe que as salas de cinema são sua propriedade, mas, para uma marca que se farta de apoiar a música em palco, apoiar o Stop é certamente uma maneira de dizer que sim, NÓS. Dos terceiros nada sei. Mas sei que os proprietários se têm escondido atrás da administração do condomínio – a mesma neste tempo todo. Esta administração teve o mérito de abrir a porta ao fenómeno dos músicos do Stop. Acolheu-os, precisou, precisa deles. Mas claramente o seu tempo acabou. Ela própria escondeu-se debaixo das iniciativas que os músicos e outros habitantes do Stop foram tendo, sempre para salvar as tais condições essenciais para o seu trabalho. Talvez tenha chegado o momento de os proprietários se chegarem à frente, com ganhos próprios mas não sem investimento. Ou será tarde de mais?

Contratar pareceres às instituições que vivem de impor a lei cega que outras instituições cegas debitam é má estratégia para colocar a lei ao serviço de todos. Sabemos, de outros universos e polémicas, como os pareceres – científicos, ambientais, jurídicos, económicos, sociais – são um instrumento eficaz para legitimar aquilo que quem pode decidiu antes. Há que ser criativo, senhores decisores e proprietários. Não é isso que exigem aos vossos vassalos? Então acompanhem a exigência. Sentem-se à mesa, estudem a lei, mudem-na, contornem as esquinas, invistam na criatividade de que tanto precisam. A Câmara Municipal do Porto é essencial neste processo. É ela que pode iniciar o arrojo, em lugar de se esconder com a lei. Caro Dr. Rui Moreira: espero ansiosamente que tenha unhas para tocar esta guitarra. A cidade agradecerá, estou certo. Ainda está a tempo.

Para inspirar, aqui vão duas dicas:

Sugestão musical: Dash City, Repórter Estrábico.

Sugestão cinéfila: O Bom, O Mau e o Vilão, Sergio Leone.

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