Dez coisas que pode não saber sobre os anos 90

A convite do Ípsilon, James Brooke-Smith, autor do livro Os Delirantes Anos 90, elegeu dez coisas que marcaram aquela década — e que nos podem ter passado ao lado.

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Baywatch, um dos símbolos da década dr

De um consumo desenfreado de ecstasy a uma descolagem digital que espalhou a Internet por milhões de casas em todo o mundo, a década de 90 ficou marcada por eventos e conceitos cujos ecos continuam presentes hoje em dia.

Em Os Delirantes Anos 90, livro recentemente editado em Portugal, o professor universitário James Brooke-Smith ensaia uma espécie de biografia desta década que ainda há pouco tempo era memória recente — e agora é história. A convite do Ípsilon, o autor elegeu dez coisas que marcaram a última década do século XX.

Leia a entrevista com James Brooke Smith


Liberdade, talvez

Em 1989, o Muro de Berlim caiu e em 1991 a União Soviética deixou de existir. Mas, como consequência da “terapia de choque” capitalista administrada à economia russa, a esperança média de vida caiu quatro anos entre 1991 e 1995, o declínio mais acentuado alguma vez registado no mundo desenvolvido. Em 1996, o Presidente Clinton enviou uma equipa secreta de consultores eleitorais à Rússia para ajudar Boris Ieltsin a vencer as eleições frente a um Partido Comunista em renascimento.

24-Hour Party Animals

Durante a Operação Tempestade do Deserto, as audiências da CNN aumentaram 12 vezes, provando como os canais por cabo de notícias 24 horas poderiam ser um negócio altamente lucrativo. Em 1996, numa tentativa de replicar o sucesso da CNN, Rupert Murdoch lançou a Fox News e a Microsoft aliou-se à NBC para criar a MSNBC. Os anos 90 foram o começo da era da hiperpolarização mediática.

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Jornalistas da CNN à espera em Amã, Jordânia, do ataque da coligação militar contra o Iraque Dario Mitidieri/Getty Images

A era do ecstasy

Em 1993, estimava-se que um milhão de jovens no Reino Unido consumisse ecstasy todos os fins-de-semana. Em 1995, quase metade de todos os jovens britânicos admitiam ter experimentado drogas. Em 1997, Noel Gallagher afirmou que tomar drogas “era como beber uma caneca de chá pela manhã”. E, ainda assim, em 2010, o número de jovens que tinham experimentado drogas desceu 20%. Os anos 90 foram um momento alto para a consciência psicadélica.

A mulher mais fotografada do mundo

De acordo com estimativas de historiadores, a morte da princesa Diana, em Agosto de 1997, gerou mais cobertura jornalística do que qualquer outro evento anterior na história. No dia do funeral, vítimas de minas terrestres em Angola, sobreviventes de sida na Califórnia e membros da Família Real do Tonga fizeram vigílias. Foi o nascimento de um novo tipo de celebridade para a era da globalização.

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A última viagem oficial do, na altura, Príncipe Carlos e da Princesa Diana, à Coreia do Sul, em 1992. Tim Graham Photo Library/ Getty Images

Descolagem digital

Em 1995 havia 16 milhões de utilizadores de Internet em todo o mundo, a grande maioria dos quais nos Estados Unidos. Na viragem do milénio eram 361 milhões os utilizadores, apenas 5% da população mundial. Em 2018, mais de metade de todos os seres humanos no planeta Terra (mais de três mil milhões de pessoas) estavam ligados à rede.

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Os primeiros dias do Windows 95 Richard Baker / In Pictures via Getty Images Images

O nascimento do Soccernomics global

Em 1992, a BSkyB de Rupert Murdoch comprou os direitos mundiais de transmissão da recentemente criada Premier League inglesa por 305 milhões de libras (cerca de 354 milhões e 500 mil de euros). Em 2000, o mesmo pacote custou à BSkyB 1,1 mil milhões de libras (cerca de 1,2 mil milhões de euros), um aumento de perto de três dígitos em menos de uma década. Em 2019, as receitas combinadas das transmissões nacionais e internacionais da Premier League inglesa estavam estimadas em 9,2 mil milhões de libras (cerca de 10,7 mil milhões de euros), um valor superior ao Produto Interno Bruto de Moçambique.

Going overground

No fim dos anos 90, antes do processo de formação de grupos por “silos” que o online facilitou [“siloization”, em inglês], as cenas musicais underground como o grunge, o hip-hop e a acid house desenvolveram um sentimento de insurgência cultural à medida que foram ocupando os media mainstream. Mas este sentimento de energia disruptiva era muitas vezes acompanhado pelo medo de se venderem” aos media corporativos. Em 1994, Kurt Cobain, o grande ícone da integridade indie, suicidou-se na sua mansão de Seattle, localizada na mesma rua onde viviam Howard Kurts, o fundador da Starbucks, e Bill Gates, fundador da Microsoft.

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Kurt Cobain dos Nirvana durante a gravação do MTV Unplugged nos estúdios da Sony em Nova Iorque, em Novembro de 1993 Frank Micelotta/Getty Images

Apolíticos?

Os anos 90 são muitas vezes vistos como uma era de apatia política, caracterizada por políticos centristas e participações eleitorais em declínio. Mas os activistas reuniram-se em grande número para protestarem contra a globalização neoliberal nas cimeiras da Organização Mundial do Comércio e do G8 em Seattle, Génova e Varsóvia. A organização descentralizada e as estratégias digitais em rede dos movimentos antiglobalização preconizaram tácticas adoptadas por outros décadas mais tarde, como Occupy Wall Street e Extinction Rebellion.

“Sampladélico”

A tecnologia barata e as cenas musicais underground em permanente evolução fizeram do início dos anos 90 a época dourada do sampling. Os Beastie Boys 'samplaram' 105 gravações diferentes no álbum de 1989, Paul’s Boutique. Mas esta era do saque cultural gratuito não durou muito. Em 1991, um juiz ordenou que De La Soul pagasse 1,7 milhões de dólares (1,5 milhões de euros) de indemnização aos The Turtles, um grupo obscuro de rock dos anos 60 cujo tema You showed me foi samplado no já clássico álbum de hip-hop 3 Feet High and Rising.

Exuberância irracional

Em 1998, o theGlobe.com, um site com uma componente de rede social criado por dois estudantes que desistiram da Universidade de Cornell, obteve o maior ganho da história no primeiro dia do mercado de acções dos Estados Unidos, tendo começado a negociar a nove dólares (oito euros) por acção e terminado nos 63 dólares (58 euros), um aumento de 606% quase incompreensível. Menos de dois anos depois, a empresa faliu durante a queda do Nasdaq, quando o preço das acções caiu de 90 dólares (83 euros) para uns meros dez cêntimos no lapso de semanas. Nos anos 90, investidores superentusiasmados especularam sobre como a economia digital assumiria o poder no milénio seguinte. Alguns atingiram poder e riqueza muito para além dos seus sonhos mais ambiciosos. A maioria, não.

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