Nova Iorque expõe uma arquitectura portuguesa preocupada com o clima

Exposição no Centro de Arquitectura de Nova Iorque mostra como ateliers portugueses podem ter um papel activo na luta climática. Pedro Gadanho é o curador de Generation Proxima.

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O hotel vinícola que o OODA projectou para Tabuaço, no Douro, é considerado exemplar, por mimetizar a topografia duriense OODA/DR
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O Centro de Arquitectura de Nova Iorque, nos Estados Unidos, expõe a partir desta segunda-feira o trabalho de sete ateliers portugueses que incorporam preocupações climáticas nos seus projectos. A exposição Generation Proxima, com curadoria de Pedro Gadanho, reúne exemplos nacionais de “práticas ambientais emergentes” que implicam não só escolhas tangíveis – materiais ecológicos, por exemplo –, mas também (ou sobretudo) uma postura ética face ao mundo natural e às comunidades locais.

“Tanto podemos ter o Colectivo Warehouse a trabalhar num projecto no Senegal, em que se ensina as crianças a trabalharem com os recursos encontrados, tornando a experiência uma aprendizagem ambiental, como podemos ter outro colectivo, a Artéria, a fazer uma exposição sobre o wildcare, ou seja, sobre a ideia de cuidado para com a natureza e o ambiente construído”, afirma o arquitecto Pedro Gadanho PÚBLICO.

O apelo que se faz aqui à arquitectura, em plena “emergência ambiental”, não se limita à adopção de práticas mais sustentáveis – preferir a recuperação à construção de raiz, por exemplo. Convoca-se também a classe para pensar questões de justiça climática, de migrações forçadas e de escassez de recursos. Se à arquitectura cabe organizar o espaço dominado pelo humano, então esta disciplina não se pode esquivar da reflexão sobre como a crise climática vai afectar pessoas e territórios.

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Fachada do Centro de Arquitectura em Nova Iorque, que recebe a exposição Generation Proxima até Março de 2024 DR

Além da Artéria e do Colectivo Warehouse, a exposição Generation Proxima apresenta projectos dos ateliers Gorvell, Nuno Pimenta, Oficina Pedrez, OODA, e Ponto Atelier. “Estes profissionais emergentes apontam esperançosamente para uma mudança ambiental muito necessária – uma que possa devolver os princípios éticos e estéticos que uma vez colocaram a arquitectura portuguesa no mapa”, lê-se no texto de apresentação da mostra em Nova Iorque.

Começar numa escala modesta

“A mudança já está a acontecer e, mais tarde ou mais cedo, vai chegar ao nível corporativo”, refere. Pedro Gadanho dá como exemplo o OODA. Trata-se, nas palavras do arquitecto, de “um atelier jovem do Porto” que mostra como é possível “fazer compromissos e mudanças de direcção” mesmo “numa área mais corporativa”.

O hotel vinícola que o OODA projectou para Tabuaço, no Douro, por exemplo, destaca-se por mimetizar a topografia duriense, marcada pelos socalcos. “É por isso que estão incluídos na exposição, para mostrar a diversidade de práticas com que se pode iniciar esta mudança”, diz Gadanho.

Ao destacar sete exemplos portugueses que já estão a operar mudanças, ainda que numa dimensão modesta, a exposição convoca os arquitectos a um “activismo” capaz de dissolver “resistências que ainda existem” na classe, refere o curador.

Num projecto no Senegal, o Colectivo Warehouse encorajou crianças a trabalhar com os recursos locais Miguel C. Tavares/DR
O projecto com a comunidade tornou a experiência arquietctónica numa aprendizagem ambiental Miguel C. Tavares/DR
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Num projecto no Senegal, o Colectivo Warehouse encorajou crianças a trabalhar com os recursos locais Miguel C. Tavares/DR

“Ainda é um meio muito tradicional, muito resistente à mudança, até porque está muito condicionado pelo mercado. O que a exposição pretende demonstrar é que essa mudança tem que começar em algum lado, e, portanto, porque não começar logo na prática do dia-a-dia de pequenos ateliers?”, questiona Gadanho, que foi curador de arquitectura contemporânea no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) e director do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), entre 2015​ e 2019.

Exposição visual e textual

Para aqueles que estiverem em Nova Iorque até 23 de Março de 2024, e tiverem oportunidade de visitar a mostra, Gadanho deixa um aviso: “Esta não é uma exposição meramente visual”. Cada projecto está acompanhado por “textos descritivos que narram uma história”, que esclarecem como cada um dos ateliers representados opera a tal “mudança ambiental muito necessária”.

“As imagens são atractivas, são bonitas, mas é a história e a transmissão das ideias que realmente importa. Porque estamos a falar de possibilidades e estratégias de escala modesta para transformar práticas que conhecemos”, explica Gadanho ao PÚBLICO, numa conversa telefónica a partir de Nova Iorque.

Uma imagem de arquitectura não transmite cabalmente aspectos estruturantes como as motivações por trás da escolha dos materiais ou do envolvimento com a comunidade, acredita o curador. Quem vê o trabalho do Ponto Atelier, por exemplo, precisará dos textos descritivos para compreender como o colectivo “revisita a tradição tectónica portuguesa, de um certo minimalismo, de uma certa pobreza declarada de recursos, mas com uma forte componente estética”.

Do livro à exposição

Generation Proxima baseia-se no livro Climax Change! (Actar Publishing, 2022). Nesta obra, em parte elaborada durante uma residência académica na Universidade de Harvard (de Julho de 2019 a Junho de 2020), Pedro Gadanho parte da controversa ideia de pararmos de construir novos edifícios para examinar, ao longo de dez capítulos, como a crise ambiental impacta a arquitectura.

O autor recorda que a arquitectura contribui, todos os anos, em quase 40% para as emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. E a indústria do betão é responsável por uma boa fatia dessa pegada carbónica. Estima-se que cerca de 8% das emissões de CO2 a nível global estejam associadas à produção e ao comércio do betão, segundo dados do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). O cimento é, logo a seguir à água, a substância mais usada na Terra.

“Prevê-se que o uso do betão triplique nos próximos 30 anos. Pode ser que isso não aconteça, porque a economia começa a esfriar, mas também pode vir a tornar-se um problema tão complexo que não haja uma solução única e implicará muitas alternativas e muita investigação até que se encontre uma alternativa viável”, afirma Gadanho.

A produção de cimento é uma área de difícil descarbonização. Não basta electrificar processos nas cimenteiras. Isto porque a maior fatia de emissões que o sector gera está associada a processos químicos decisivos para o fabrico do produto. Daí que Pedro Gadanho e outros autores defendam a urgência não só da investigação ecológica no domínio da construção, mas também uma viragem nas próprias práticas da profissão.

Construímos hoje maioritariamente em betão, fazendo uso de sistemas globalizados que implicam um alto consumo de recursos naturais energéticos – e estas práticas começam a ser questionadas pela própria classe, refere o autor, sendo os sete ateliers destacados na exposição exemplo disso.

“Estes colectivos continuam a manter-se fiéis às suas práticas, mas estão a acrescentar estes elementos relacionados com as alterações climáticas, com a biodiversidade, com os riscos existenciais que nos apresentam todo um desequilíbrio ecológico que estamos a viver neste momento”, refere o curador.

Recuperar ou criar de raiz?

Um dos entraves à adopção de uma perspectiva ecológica está em abdicar do clímax de criar um objecto arquitectónico de raiz – e daí o título do livro. Pedro Gadanho investiga o porquê de o arquitecto contemporâneo ter dificuldade em alcançar esse “orgasmo” criativo na recuperação do ambiente construído.

Porque é que criar satisfaz mais do que regenerar? Gadanho acredita que se trata de uma tendência intelectual generalizada. Mas a transformação socioeconómica em curso, alavancada por fenómenos climáticos extremos mais intensos e frequentes, pode fazer emergir outros motivos pelos quais o arquitecto pode encontrar igual prazer no seu trabalho.

“Faço no livro essa análise de quais são os sinais que, tipicamente, representam o prazer da autoria, da inovação, do fazer com o novo, de utilizar novas formas, etc. Mas isso poderá também estar associado à resposta aos desafios, como aqueles que nos colocam as alterações climáticas”, refere Gadanho, sublinhando que a crise climática pode ser, ela mesmo, uma oportunidade.

A arquitectura ficcional ou especulativa, por exemplo, oferece também caminhos para explorar desejos criativos. “Isto implica olhar para cenários futuros, mas tem também que ver com o que já foram no passado correntes de resistência política – é o caso da arquitectura do papel dos anos 80, na Rússia e noutros locais, em que essa arquitectura não construída existia só em papel, só em desenho, e era feita como um protesto político contra o sistema vigente. Portanto, já havia ali uma recusa dos arquitectos em construir”, recorda.

Cortiça portuguesa nos EUA

A exposição conta ainda com uma instalação de cortiça, fornecida pela Corticeira Amorim, um elemento que se faz presente na exposição na forma de estruturas, revestimentos e bases para modelos.

“É um dos materiais mais sustentáveis que conhecemos. Trouxemo-lo para a exposição para explorar a tactilidade e o cheiro da cortiça, para complementar os projectos e as histórias ali apresentados”, conclui o curador.

Generation Proxima nasce de uma cooperação internacional entre o Ministério da Cultura de Portugal, através da Direcção-Geral das Artes, com o Centro de Arquitectura de Nova Iorque. A inauguração da exposição coincide com a abertura da 13.ª edição do Archtober, um festival de arquitectura que decorre ao longo de Outubro naquela cidade norte-americana.

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