China produziu mais cimento em dois anos do que os EUA num século

Investigadora refez as contas dos dados que Bill Gates “viralizou” e percebeu que eram ainda mais surpreendentes: em apenas dois anos, a China gastou o equivalente ao cimento usado nos EUA em 100.

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Há mais de uma década, a China está a dominar o sector do cimento Alex Pavlevski/EPA

O milionário Bill Gates publicou um texto no blogue Gates Notes, há quase uma década, que fez com que dados relativos ao consumo de cimento na China e nos Estados Unidos (EUA) se tornassem “virais”. No artigo, o fundador da Microsoft referia que a China havia usado mais cimento em três anos do que os EUA num século inteiro.

Agora, uma investigadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, resolveu refazer as contas e percebeu que o cenário é ainda mais surpreendente: o país asiático precisou apenas de dois anos – e não três – para gastar o equivalente ao cimento usado nos EUA ao longo de 100 anos.

“Sou céptica em relação à maioria das estatísticas que se tornam virais, então quis verificar novamente este números e fazer os meus e cálculos. Esse valor [referido por Gates] ainda está próximo de ser verdadeiro, excepto pelo facto de que a China consome tanto cimento a cada dois anos quanto os EUA durante todo o século XX”, escreve a cientista Hannah Ritchie na página que mantém na plataforma Substack.

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A comparação entre a China e os Estados Unidos é referida no blogue de Bill Gates a propósito do livro Making the Modern World: Materials and Dematerialization, do historiador Vaclav Smil. Após a citação de Gates, a comparação motivou diferentes notícias em meios de comunicação de referência como a revista Forbes, o jornal britânico The Independent ou o americano Washington Post.

A investigadora recorreu a dados publicados pela US Geological Survey, a entidade norte-americana que monitora dados sísmicos e geológicos, para contabilizar o fabrico e o uso de cimento de 1900 a 1999 nos EUA. Nesse período, foram produzidas 4,2 mil milhões de toneladas de cimento e consumidas 4,4 mil milhões toneladas.

A China, por sua vez, produziu 2,4 mil milhões de toneladas em 2020 e 2,5 mil milhões de toneladas em 2021, totalizando 4,9 mil milhões em apenas dois anos.

“Isso é produção (e não consumo), mas com base nos números comerciais que pude encontrar, a China exporta muito pouco cimento – apenas cerca de 5 milhões de toneladas. Isso significa que a produção e o consumo são basicamente os mesmos”, refere Ritchie, que, além de investigadora em Oxford, trabalha como sub-editora da publicação Our World in Data.

China domina o sector

A investigadora acrescenta que os dados mostram que, há mais de uma década, a China está a dar as cartas neste sector. Em 2014, por exemplo, o país fabricou 60% do cimento mundial. E sublinha que estes números têm relevância não só socioeconómica – a industrialização terá permitido a melhoria da qualidade de vida e o declínio da pobreza –, mas também ambiental.

Depois da água, o cimento é a substância mais usada na Terra. Isto apesar de, ao contrário da água, não ocorrer naturalmente na natureza. Cerca de 8% das emissões de CO2 a nível global estão ligadas à produção e comércio do cimento, segundo dados do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC).

Aliás, o cimento constitui um dos maiores desafios na luta contra a crise climática. Nas cimenteiras, não basta electrificar processos ou apostar em energias renováveis para obter processos mais amigos do ambiente. A maior parte das emissões que o sector gera não estão ligadas aos combustíveis fósseis, mas sim a processos químicos cruciais durante o fabrico do produto.

Para obter o clínquer – o ingrediente-chave do cimento –, é necessário calcinar calcário e, em menores quantidades, argila e elementos como o alumínio e o ferro. Esta calcinação é um processo que envolve temperaturas altíssimas (algo próximo de 1500 graus Celsius) e que promove a libertação de gás carbónico para a atmosfera. Calcula-se que cerca de metade das emissões do sector estejam ligadas precisamente a estes processos químicos que têm lugar nas cimenteiras.

“Sem surpresa, dada a quantidade de cimento que produz, a China domina as emissões globais de cimento. Emite cerca de 852 milhões de toneladas, o que equivale a quase o dobro das emissões fósseis totais da África do Sul. O problema com o cimento é que se trata de uma indústria que não podemos simplesmente descarbonizar mudando para energia renovável ou nuclear. Precisamos de inovações para eliminar a produção de CO2 do próprio processo directo”, afirma a investigadora Hannah Ritchie na sua página.

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