“Brexit” ameaça estatuto do Reino Unido como grande mercado de arte europeu

Lucro de leiloeiras em queda, feiras canceladas, volume de negócios inferior ao pré-”Brexit”. Aumento da burocracia e despesas associadas a transporte e transacções deixam marca no mercado britânico.

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Um quadro do italiano Piero del Pollaiuolo em leilão na Sotheby's, em 2021 EPA/FACUNDO ARRIZABALAGA
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Mais uma consequência do "Brexit", não propriamente animadora para o Reino Unido. Grande centro europeu do mercado de arte, está em queda desde a saída da União Europeia: os lucros da leiloeira Sotheby’s caíram 24% em 2022, relativamente ao ano anterior, o valor de vendas dos leilões de Primavera, em Londres, foi 39% inferior ao período pré-"Brexit" e têm sido notícia o cancelamento de feiras, como a Masterpiece London ou a Art & Antiques Fair Olympia, decisão justificada com o aumento exponencial dos custos e um decréscimo do número de negociantes. No início do ano, o Financial Times dava conta que, entre 2018 e 2023, a Masterpiece perdera 60% dos seus expositores europeus.

Uma reportagem do diário digital espanhol El Confidencial cita um relatório, elaborado por uma comissão da Câmara dos Lordes, sobre o estado do mercado de arte do Reino Unido, que dá conta da preocupação com um sector que “criava mais valor para a economia do Reino Unido do que as indústrias das ciências biológica, aeroespacial e automóvel, reunidas”.

Como já notava no início deste ano uma notícia do Artsy, “a legislação do "Brexit" está a afectar o mercado de arte de várias formas, desde a tributação ao emprego, passando pela protecção de dados, resolução de litígios e direitos de autor”. À saída do espaço europeu de livre circulação para bens e pessoas, juntou-se, consequentemente, o aumento exponencial da burocracia envolvida nos procedimentos necessários ao funcionamento do mercado, bem como os gastos financeiros e o tempo demorado em todo o processo. Fiorenzo Manganiello, coleccionador italiano e mecenas da Fundação Lian, relatava ao Arsty as “dificuldades logísticas” que tem sofrido desde o "Brexit", com “obras bloqueadas, por vezes, durante meses”.

Desvaneceu-se a aura?

Actualmente, o Reino Unido mantém-se como segundo mercado de arte mundial, atrás dos Estados Unidos, mas vê essa posição ameaçada pela China – em 2021 foi mesmo ultrapassado pelo gigante asiático em volume de vendas, tendo, porém, recuperado a posição o ano passado, com números de 11,9 mil milhões de dólares (cerca de 11,2 mil milhões de euros).

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A 13 de Outubro, a Christie's de Londres leva a leilão um painel da série Avestruzes Bailarinas do filme Fantasia de Walt Disney, de Paula Rego cortesia christie's

Ainda que a Europa não seja o principal mercado para o comércio de arte no Reino Unido (representa 20% do seu total de transacções), também o seu papel enquanto centro preferencial para a entrada de obras de arte, vindas de outras latitudes, no continente europeu pode estar em perigo, perdida que está a vantagem que representava o IVA mais baixo da União Europeia, no valor de 5%. A França pode estar a preparar-se para, pouco a pouco, tomar-lhe o lugar.

“O país acolheu uma nova feira internacional de arte [a Paris+, responsabilidade da ArtBasel], obteve resultados recorde nas suas casas de leilões e adoptou políticas que, de forma ameaçadora [para o Reino Unido], visam ‘assumir o desafio de reconquista francesa do mercado de arte'”, líamos no Artsy. Outrora o grande centro de arte mundial, a França representa actualmente cerca de 7% do total de transacções, distante dos 18% que o Reino Unido ainda mantém. Porém, com este em queda, consequência do "Brexit", a França move-se para recuperar o estatuto perdido, enquanto o Reino Unido se tenta adaptar à nova realidade.

"Frustrada? Sim. Pessimista? Sim!", dizia em Janeiro Katie Terres, COO da Artiq, uma agência de arte sediada em Londres. Porém, explicava, “encontrámos formas de trabalhar com ele ['Brexit']” e “estamos a tentar tornar o processo o mais fácil possível". Fiorenzo Manganiello, por sua vez, defendia que, apesar de tudo, a aura britânica não se desvaneceu. "Para mim, Londres é o lugar onde as inovações na arte ainda acontecem, rodeado de escolas de arte e universidades de primeira linha".

Apesar de os números em queda, a verdade é que Londres continua a ser cenário para novos recordes de vendas. No final de Junho, Dama com Leque, de Gustave Klimt, foi arrematada num leilão da Sotheby's londrina por quase 99,2 milhões de euros, estabelecendo um novo recorde europeu para uma obra de arte (a base de licitação era de 80 milhões de euros), o que foi considerado, escreveu o New York Times, um bom sinal para a recuperação do mercado de arte britânico pós-"Brexit". Daqui a menos de um mês, dia 13 de Outubro, a Christie's de Londres leva a leilão um painel da série Avestruzes Bailarinas do filme Fantasia de Walt Disney, de Paula Rego. A expectativa da leiloeira é que a obra atinja um valor de 3,7 milhões de euros, um recorde para a artista portuguesa.

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